sexta-feira, 3 de maio de 2019

Bússola

O dia estava claro, o caminho bem traçado, mas ainda assim Celeste parecia não encontrar seu norte.
Esteve sempre acostumada a seguir os passos alheios. Na infância seguiu pais e avós, como todos nós fazemos. Na adolescência se trancou em casa até que uma colega de escola a convidou para participar de uma reunião de bruxas. Ela foi e se assustou com o ambiente e a atitude das meninas. Mas não expressou nenhum desagrado, apenas certa timidez. Por falta de algo melhor, comprou meia dúzia de roupas pretas, pegou a maquiagem velha da mãe e assumiu sua versão adolescente rebelde. Mas ela nem bem sabia como falar ou andar, porque realmente não se sentia com raiva de nada, nem precisando romper padrões. Os anos passaram e ela agradeceu por poder voltar a ter as roupas mais claras, em tons suaves. 
Chegou o momento tão esperado do pai, seu ingresso na faculdade. Ela estudou muito para fazer engenharia, como ele. Mas também tinha a segunda opção, geografia, curso que o pai não teve coragem de escolher, mesmo passando horas olhando mapas, assistindo documentários e ensinando a todos sobre como o mundo era dividido. Como era de se esperar, pelas notas baixas em matemática, Celeste entrou no curso de Geografia. Fez a faculdade no tempo esperado, prestou concurso público e assumiu a carreira de professora de meninos e meninas entre doze e dezessete anos. Apesar de jovem, ela não tinha muita conexão com os alunos. Cumpria o currículo determinado pela direção, aplicava provas e trabalhos e tentava animá-los sobre quão interessante era saber sobre o mundo em que viviam. 
Durante os estudos, conheceu o noivo, Antônio. Ele se interessou muito por Celeste, pois ela tinha uma beleza delicada, era simpática e comunicativa. Sua personalidade o atraiu de primeira vista e não foi tão demorado conquistá-la. O namoro seguiu por muitos anos, pois a vida de professor não facilitava financeiramente projetos como casamento, casa própria, filhos, família. Celeste queria tudo aquilo, pois tinha ouvido da mãe, desde menina, como era adorável entrar na igreja vestida de branco. Planejava desde o início do namoro como seria todo o cerimonial, quem convidaria, com quantos anos deveria realizar esse sonho. No entanto, ela sonhava ao lado da mãe, incentivada por ela, sobre cada detalhe. Se sentia feliz, tranquila, a vida dela seguia como o projeto de uma vida normal.
O diretor da escola em que lecionava a convidou para participar de um concurso de projetos pedagógicos. Esse tipo de participação contava pontos para a instituição e para a direção. Ele sabia que Celeste se dedicaria se ele dissesse as palavras certas. Tiro certeiro! Ela passou cinco semanas preparando um bom material. Consultou o noivo, o pai, alguns livros e montou um ótimo projeto. Ganhou um valor em dinheiro e uma viagem para a Chapada dos Veadeiros, em Goiás, além de um bom título para a escola. Ela se animou, mas teria que ir sozinha. Mesmo pagando à parte, não poderia levar um acompanhante, pois nenhum dos próximos dela teriam disponibilidade nas datas da viagem. 
Parecia tudo certo, ela não precisaria pensar em nada, afinal, a viagem veio pronta da agência que ofereceu o prêmio do concurso. O noivo a levou ao aeroporto, ela embarcou e respirou tranquila. Chegando lá, se deparou com a grande surpresa: tinha carro para chegar à pousada e quarto reservado por uma semana, além da passagem de volta. Porém, nada de planos para fazer durante essa semana.  Foi aí que Celeste se viu desbussolada. Não tinha pesquisado nada, aguardou chegar lá e alguém dizer o que ela deveria fazer. Dormiu cedo no primeiro dia. No dia seguinte tentou que alguém lhe dissesse para onde ir, mas nada. Teve que dar seus próprios passos. Mais do que olhar para o chão, ela notou que olhava muito para o céu. Parecia querer se guiar pelas nuvens, estrelas, pelo sol. Dias e noites foram os mais lindos que já tinha visto. Escolhia os caminhos menos pelo que iria ver, mas apenas querendo perceber o firmamento em movimento. 
Sete dias, sete noites, um giro na sua vida. Não saberia dizer quantos graus tinham sido suficientes para ela voltar do mundo da Lua em que sempre esteve sentada. Sabia que já não reconhecia mais onde era nem norte, nem sul. 
Voltou para casa e decidiu que precisava continuar os estudos antes de casar. Entrou no grupo de astrônomos que se reuniam na faculdade semanalmente. Se apaixonou pelos astros, pelo espaço, pelo universo dos objetos voadores não-identificados. Vivia agora entre serem estranhos, pouco convencionais, mas que se divertiam como nunca com telescópios e muitas suposições sobre vida fora da Terra. Ela encontrou sua turma. 
Casou-se com Antônio, que era apaixonado por ela, assim como ela por ele. Ele não queria a moça obediente que ela foi até encontrar a si mesma, na ausência daqueles que acreditavam precisar dizer para ela o que ela deveria ser. Tiveram três filhos, seguiram dando aulas. Com os assuntos sobre as maravilhas do espaço, Celeste conseguia ter o interesse dos alunos. Vivia promovendo excursões de observação celeste. 
Ela não deixava de se perguntar: o norte está sempre no mesmo lugar ou é uma questão de ponto de vista?

Simone de Paula - 03/05/2019

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