sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Sedução

Presença insistente e em silêncio que me desafia nas minhas certezas, me derruba do meu platô, me lança no desconhecido.

Simone de Paula - 25/02/2022

Como sugestão de uma colega de pesquisa sobre o tema da sedução, segue a poeta argentina Alejandra Pizarnik

só a sede
o silêncio
nenhum encontro
cuidado comigo amor meu
cuidado com a silenciosa no deserto
com a viajante com o copo vazio
e com a sombra de sua sombra

 8 Poemas de Alejandra Pizarnik 

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Não dependa de mulher!

Cidinha recebeu o diagnóstico de uma doença terminal. A informação caiu como uma bomba sobre sua cabeça, mas ela não teria tempo de sofrer e se lamentar, só teria tempo de orientar melhor o filho, Olavinho.

Depois do término do casamento com Cláudia, Olavinho tinha voltado a morar com a mãe. Namorando aqui e ali, dividia com ela suas questões amorosas e também contava com ela para cuidar dele.

Cidinha passava partes do dia muito meditativa, introspectiva e nostálgica. Lembrava dos pais, das frases ouvidas, das histórias vividas. Mas, uma frase era a que mais aparecia, era uma sentença de fato: "não dependa de homem!" Imperativa, negativa, chegava de todos os lados, da mãe, do pai, tias, enfim, era o mantra para as mulheres de sua geração. E ela obedeceu prontamente, porque ela não tinha dependido de ninguém. Quando cansou do pai de Olavinho, tratou de mandá-lo embora de casa. Mas, se viu dependente do amor do filho e foi avaliando quantas dependências tinha criado na vida. Realmente, financeiramente nunca dependeu, mas no quesito emocional, na necessidade de reconhecimento, ou ainda de conhecimento, ela dependia e muito. Mas agora era tarde, e a tão desejada independência total tinha chegado: morreria em breve!

Decidiu que ela precisava mudar um pouco o rumo das coisas. Seja porque tinha medo do filho sofrer, seja porque tinha carregado um pouco dos ideais feministas no peito. Cidinha resolveu incutir em Olavinho a sentença que tinha recebido. Era a melhor herança que ela poderia dar a ele e também colaboraria com as mulheres que pudessem aparecer na vida dele.

Começou a dizer diariamente para o filho: "Olavinho, não dependa de mulher!"; "Isso é a pior coisa que pode acontecer, porque você vai ficar na mão delas." E com essas frases, ela ensinava o filho a cuidar dele mesmo, das roupas, comida, cuidados de organização. Planejamento, investimento, intenções de conquistas futuras. Dicas de estudos, passeios, possibilidades de vida. 

Olavinho estranhava a conduta da mãe, que nunca tinha feito isso, muito menos insistido na frase "não dependa de mulher!", mas ele lidava numa boa com os momentos juntos que tinham. Era curioso que ele se sentia mesmo mais estável emocionalmente, sem precisar imaginar em cada mulher que via uma potencial parceira. 

Poucos meses se passaram, Cidinha foi ficando mais fraca e contou ao filho que estava morrendo. Ele quase se desesperou, mas entendeu o que a mãe vinha fazendo com ele. Cuidou dela, dando atenção e o que ela precisava. 

Ficou quase um ano de luto, refazendo a vida, organizando as coisas, colocando em prática a sentença que a mãe lhe deu. Começou um novo namoro, mas ainda conservava o amor pela ex-mulher. Decidiu que a reconquistaria, para poder lhe dar o melhor dele. Acompanhava a carreira esportiva dela à distância e sabia em que clube ela jogava. Foi atrás, conseguiu a atenção dela. Disse que podia esperá-la. Dois anos se passaram e Olavinho e Cláudia conseguiriam se reunir de novo. Ela estava mais madura, já pensando no que faria profissionalmente quando parasse de jogar. Ele a apoiava. Decidiram aumentar a família, com filhos, gato e cachorro. Cláudia conversava com Cidinha diariamente, agradecendo o que ela tinha feito pelo filho e, por extensão, por ela. 

É isso, ensinar aos meninos a "não depender de mulher!", e nem de homem!!!

Simone de Paula - 18/02/22

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Suor e lágrimas

Olavinho foi um bebê muito chorão. Desde que saiu da maternidade, vivia com lágrimas nos olhos e grito na garganta. A mãe, Cidinha, achava que podia ser fome, e como ela tinha muito leite, vivia com ele pendurado no peito. Era a única coisa que fazia Olavinho parar de chorar.

Na hora do desmame tardio, Cidinha teve muito trabalho, porque o menino a mordia e não queria deixar de mamar, mesmo com os dentes crescidos. A mãe conversava, explicava, e o menino aceitou, em meio a soluços.

Olavinho cresceu, arranjou namoradinhas, mas vivia nostálgico com aquele peito de quando era bebê. E as meninas, não gostavam muito daquela obsessão.

Quando conheceu Cláudia, que era jogadora de vôlei, Olavinho pirou. Ele assistia todos os jogos e fazia questão de levá-la pra casa após as partidas. Notou que com Cláudia a obsessão dos peitos tinha diminuído, mas ele não entendia o por quê.

Ele a via jogar, saiam de lá direto pra casa dela, ela tomava banho e depois saiam para um programa de namorados. Tudo funcionava bem. Olavinho pensava que ela seria a mulher da sua vida. O namoro durou bastante, porque ele não precisava atacar os seios da moça. E nem ela  precisava rechaça-lo ou se incomodar com a insistência.

Depois de mais de dois anos juntos, Cláudia recebeu uma oferta para jogar em outra cidade. Time maior, com patrocínio. Ela ficou muito animada e Olavinho também. Porém, a rotina que eles tinham mudou. Ele não conseguiria ver todos os treinos, apenas os jogos. E, como no final de semana ela não treinava, Olavinho só a encontrava 'de banho tomado'. E, com isso, a obsessão voltou.  

Cláudia não entendia a mudança de comportamento do namorado. Se incomodava, se sentia perturbada com aquela conduta. Ele tentou explicar que isso era uma característica dele e que não queria perdê-la por isso. 

Tentaram seguir o namoro, Olavinho ainda estava intrigado como uma hora ele tinha a obsessão pelos peitos e em outra hora, não tinha mais. Resolveu passar as férias com ela, levá-la nos treinos, retornar a rotina de antes. Depois de menos de uma semana, ele já sentia uma paz diante do corpo da namorada. 

Na quadra, Cláudia era bastante discreta, afinal, o uniforme disfarçava os seios. Mas fora de lá, ela adorava decotes. Ele notou que quando ela entrava no carro, suada do jogo, ele sentia um alívio. Lembrou de quanto ouviu que ele tinha sido um bebe chorão que parava só quando mamava. Essas memórias o levaram de volta lá nos tempos de infância, quase sentiu no cheiro do suor da namorada o cheiro da mãe. Fechou os olhos e entendeu no mesmo instante o que tanto queria dela. 

O relacionamento deles durou mais dois anos. Tinham casado, mas Cláudia não queria ter filhos, investia na carreira esportiva. Foi convidada para ir para fora do país e Olavinho não quis acompanhá-la, ele não poderia deixar a mãe em definitivo. Se separaram e ele busca uma nova mulher que possa aceitar as particularidades dele.

Simone de Paula - 11/02/2022





sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Nostalgia

Se falta inspiração, investe na transpiração.

Esses dias têm sido assim, sem muita vontade de colocar alguma coisa em palavras. Um tanto já foi dito, mas não completamente registrado. Ainda assim, parece que falta o motivo para seguir dizendo.

Nas últimas semanas assisti documentários, relembrando alguns ídolos da música, coisas que eu escutava e que me transportaram para o passado. Aquele ar de nostalgia.Tive vontade de voltar lá atrás como quem sou hoje, porque possivelmente algumas coisas seriam diferentes.

Ouvi uma anedota ontem, sobre o diabo garantir que se alguém pede pra voltar no tempo, ou pra ficar vivo diante do encontro com a morte, faria tudo igual. Talvez. Mas admito, depois de um processo de análise, difícil fazer o mesmo, visto que já nem se é o mesmo. Aquela habilidade de fazer as coisas de determinado jeito, se foi, não dá mais pra repetir. 

De qualquer forma, eu só pensei que queria uns dias lá atrás, talvez para fazer melhor algumas coisas, outras apenas fazer diferente, ter vida nova dentro da mesma.

Segue o fluxo, enquanto ele se faz transitar. Pare, quando for tempo de parar.


Simone de Paula - 04/2/2022