sexta-feira, 17 de maio de 2019

Fix

Rabisquei isso aqui antes de colocar um título. Quando escrevo, ou começo pelo título, ou uma frase que ecoa na minha cabeça, ou ainda uma história que eu quero contar. Esse foi diferente, veio sem muita definição. E saiu assim:
 
A gente para no tempo, no momento em que nossa vida nos faz experimentar um elemento surpresa.
A suspensão que se dá em nós, no corpo, na alma, faz o espírito entrar em combustão e produzir uma calcificação inabalável.
É comum encontrarmos pessoas que estão naquela mesma idade em que a maior experiência de suas vidas aconteceu.Fixou lá.
É um chamamento íntimo, vindo do real explícito do inesperado, que declara um sim de nossa parte, sem nenhuma possibilidade de evitar esse sim. O sim segue implorando mais e mais que esse momento, esse chamado, se repita, promovendo o tempo eterno.

Isso aconteceu com uma amiga. Jovem, cheia de energia. Não pensava no amanhã porque o hoje era tudo de melhor. Estudante, tinha na escola e nos colegas seu mundo inteiro. Inocente, descobria nos meninos as suas habilidades e nas meninas as suas rivalidades. Não sofria, só reagia. 
Se surpreendeu com uma situação comum a cinquenta por cento das moças da sua geração, se viu grávida do namoradinho da ocasião. Parou ali, na menstruação que não veio, no teste positivo, no feto na barriga, nos 17 anos. Jovem, eternamente jovem. O namorado virou marido, pai, mas ele também, parou no tempo. A vida deles seguiu o fluxo natural da moral generalizada. Família, trabalho, tudo certo. Não teve ruptura em nada que mudasse o ponto de parada de lugar. Ainda hoje, pensa, fala e sente com 17 anos, repetindo as mesmas habilidades com meninos e rivalidades com meninas.

Já um outro amigo, com ele foi bem diferente. Eu diria que ele tem tantas rupturas na vida que envelheceu antes da idade. Ainda na infância perdeu o pai. Acidente de moto. Teve que dar conta dessa falta, tentando ser um pouco igual ao pai que conheceu. Mas era difícil acomodar conversas de um pai com um menino de7 anos, tendo 25. Mas ele tentou. Como nasceu numa cidade pequena, foi estudar num grande centro e essa reorganização espacial o fez pular dos 7, onde estava parado, para os 21, mesmo ainda com 17. Emancipado, foi sem mãe, sem muito dinheiro e teve que trabalhar duro. Queria sair da cidade pequena, mas não sabia que tudo mudaria. Nada dava muito certo, não queria estudar, sentia vergonha de não acompanhar a turma. Se envolvia com quem estava na mesma posição rebelde, causada pela ausência da rede de segurança diante do abismo. Sem conseguir se equilibrar, caiu. Se envolveu com agiota, traficantes e usou todas as drogas que encontrou. Parou numa sarjeta, quase tendo uma overdose. Sair de lá, como? Foi resgatado da rua pela polícia, em uma operação de limpeza da região em que estava morando. Enviado para uma clínica, já não sabia mais como viveria sem entorpecentes. Queria remédios o tempo todo. Ficou lúcido e limpo quando veio a notícia da morte da mãe, de câncer. Não a encontrava há uns dez anos e não podia acreditar que ela adoeceu e ele a perdeu. Ele não voltou pra casa e se culpou. Ouvia dos amigos da clínica, alcoólatras com mais mais de cinquenta anos, que as mães ainda estavam esperando por eles. Ia sair dali para onde, fazer o que? No dia da liberação, foi com um colega da clínica para a casa dele. A família o recebeu e a mãe era a dona de tudo, mandava. Ofereceu para ele trabalhar na pizzaria dela. Ele só tinha isso para fazer. Cozinhava à tarde e à noite. Pela manhã a ajudava com reparos na casa e compras para a pizzaria. Achou uma família. Em seis meses estava de mudança, morando na casa da vizinha, namorada cuidadosa que arranjou. Ele queria filhos, mas ela já tinha dois, de um casamento anterior. Os meninos tinham mais de vinte anos e ele não sabia bem como se encaixar no papel. Toda vez que a gente se fala ele reclama nas dores no corpo, da falta de esperança no futuro e da última vez me disse que vai ser avô com 32 anos, rindo um riso triste.

Que idade será que tenho? Quantas vidas já vivi? Esse papo de vidas passadas e reencarnações não seriam as rupturas surpreendentes do tempo na nossa vida que nos faz girar para uma nova existência numa aparente mesma vida vivida?

Simone de Paula - 17/05/2019

Nenhum comentário:

Postar um comentário