sexta-feira, 26 de novembro de 2021

O som do beijo

Pensa só: aquele momento em que os olhos se miram, as bocas se aproximam e o beijo acontece.

No filme, tem trilha, antecipando o que vai ser o destino daquele instante mágico: amor, perigo, comédia, et, etc.

Na vida real, seja lá o que isso signifique em pleno século XXI, tem trilha sonora também, mesmo no silêncio. 

O som toca dentro de nós, enfeitiça o momento, provoca o microacontecimento inesquecível.

O primeiro, o segundo, o décimo nono, ou o último beijo. Qualquer número que seja, o beijo invoca a música originária em nós. Beijar ativa o som, invoice!

E não é que beijo com som é de olhos fechados?!?

Sou romântica, talvez. Tola, certamente. Insisto na aura musical pra embalar a intimidade maior desse encontro precioso e sem destino prévio.

No beijo de carne e saliva não tem antecipação de nada, só instante, que dura a eternidade. 

Invoco as técnicas pra retardar o fim, esticando a melodia, na tentativa de capturar nos lábios o silêncio precioso do momento.

Simone de Paula - 26/11/2021


Mia Couto fez algo lindo sobre isso, em Tradutor de chuvas:

O Instante Antes do Beijo

Não quero o primeiro beijo:
basta-me
O instante antes do beijo.

Quero-me
corpo ante o abismo,
terra no rasgão do sismo.

O lábio ardendo
entre tremor e temor,
o escurecer da luz
no desaguar dos corpos:
o amor
não tem depois.

Quero o vulcão
que na terra não toca:
o beijo antes de ser boca.


 

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Não tem

Não tem conto pra contar.

O corpo leve e lento. O silêncio.

Não tem texto pra postar.

O dia cinza e suave. A paz.

Não tem palavras a escrever.

A boca fechada e sorridente. A vida.


Simone de Paula - 19/11/2021

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

No rasinho

Vocês já notaram uma criança na beira do mar?

Ela vive a euforia de estar tomada pela água e a frustração em saber que somente os pés estão submersos. O resto do corpo só recebe respingos. Mas ela finge mesmo assim. Foi alertada sobre o perigo de ir além dos limites extremos dos joelhos. Obedece, mas quer desafiar essa determinação, indo além da borda divisora entre a areia e a espuma das ondas. Disfarça que invade o lado de lá, ultrapassa a altura permitida. Tudo na brincadeira, como se não soubesse o que está fazendo. E a cada passo que avança, um novo alerta é proferido. A diversão se encerra com a frase decepcionante que anuncia 'a hora de ir embora' e com ela todas as tentativas de tornar a proteção da casa tão atraente e satisfatória, quanto a liberdade refrescante e arrepiante da praia. Sequência de reclamações e tentativa de negociação, ou chantagem, derrubando todo o prazer conquistado naqueles minutos incontáveis do banho de mar.

A gente cresce e pode escolher quando entra e quando sai, quanto afunda e quanto levita. E nessa hora, volta a ser criança novamente.

Adoro o mar. E a lua está em Peixes.

Simone de Paula

 



sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Corre

A vida é corre.

A vida corre.

Tipo assim, corre.

Se não, se morre.

P.S. sou partidária de não fugir da raia, adepta de não antecipar a conclusão, trabalhando na engorda da compreensão.

Simone de Paula - 05/11/2021