sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Carta de despedida

"Obrigada por ter transformado minha vida num inferno."
Começou assim a carta que escrevia como despedida.Olhava a frase e pensava se ela estaria no início ou no final da carta. Não conseguia se decidir. 
A frase já dizia tudo, não precisava de mais nada, sintetizava perfeitamente tudo que ela tinha para dizer. A  contradição vista no agradecimento e padecimento parecem não conviver harmoniosamente. Mas pensando bem, naquela situação, conviveram. 
A incerteza sobre estar na abertura ou no fechamento da carta, apontava também essa oposição que ali estava posta. Começo ou fim?
Uma carta, que com o passar do tempo, podia estar contida num bilhete. Melhor, num tweet, num telegrama,  qualquer fragmento de pensamento já resolvia o problema.
Não que não tenha sido uma relação de muitas palavras e nem que essas palavras já tivessem se desgastado a ponto de não ter mais espaço para serem pronunciadas. Mas é que parecia que elas só fariam sentido se ouvidas, se lidas, em tempo real. E, no espaço de tempo entre escrever e ler, tudo que poderia ter entre o 'obrigada' que abria e o 'inferno' que fechava, já não tinha mais razão de existir.
Decidida sobre isso - o corpo da carta resumido em uma frase -, entrou em mais um dilema, o ponto final concretizado com o que desejamos ao remetente. Ela balançava entre o "seja feliz" e o "que você morra sozinho". Era realmente uma questão as contradições que se escancaram no campo aberto entre dois. Percebia que a frase síntese falava dela e que o best regards falava dele. O sentido primeiro era o que ela podia dizer de tudo que foi pra ela e a sequência era voltado para o outro que podia abrir mão do desejo. É preciso que a gente se encontre no desejo para que ele se realize para nós. E se ele nem quisesse felicidade e nem morte ou solidão? O desejo ficaria pendente, esperando se soltar de um para algum outro qualquer. Decidiu: melhor não.
Não tinha iniciado com o nome, parecia endereçar a uma única pessoa que saberia quem era e nem poderia ser outra. E, logo, quem assinasse, ela, também seria única nessa situação. Na relação a dois, não existe mais nada e nem ninguém. A cumplicidade garante que não é preciso dar nomes aos bois. Posto isso, ela resolveu que nem assinaria. Mas será que ele entenderia que era dela? Talvez o nome precisasse estar lá, uma marca indelével que não permitiria mais malentendidos. Era dela mesmo essas palavras. Foi além, mais do que ele poder saber que era dela sem a assinatura, ela queria garantir que, menos por ele e mais pelas palavras escolhidas, essa frase fosse dela mesma. Assinou.
Depois de muito tempo, muitos pensamentos, uma seleção de músicas aleatórias que garantiam um algo a mais embalando suas reflexões, ela terminou aquele conto. 

Simone de Paula - 26/10/2018

Obs. Depois das uniões de Libra, os finais escorpiônicos irrompem. E nada como uma boa Lua em Gêmeos para tagarelar sobre isso. Assim na Terra como no Céu.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Durga presente

A gente nunca sabe o que o futuro nos promete. Pode ser repetitivo o destino, mas é imprevisto. 
Hoje calhou de ser meu aniversário. Todo ano, no mesmo 19 de outubro, reitero minha forma de viver. Corpo, mente, vida, tudo aqui na Terra. Sinto um gosto especial de aniversariar na sexta-feira, dia que, além de carregar misticismos, é um dia delicioso mesmo. 
Tudo segue como de costume: a rotina, os encontros e desencontros, mas cabe a mim ver o presente que se apresenta em cada momento.
Não nego o êxtase de um acontecimento, mas quero também poder perceber o que é prazer naquilo que pode nem parecer especial porque já faz parte.
Mais um ano e ganho presentes. Alguns bons, logo à primeira vista, com sol, luz, força e proteção. Outros que se assemelham a presentes de grego, aqueles que só mostram a potência da sua natureza depois de uma jornada.
Um presentinho especial entrou pelos meus ouvidos hoje. Veio lembrar que ouvimos com todo o corpo, porque os ouvidos em si, são apenas um longo túnel para passar o ar. 

Simone de Paula - 19/10/2018


sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Só um ponto - de vista


Naquela tarde eu tentei manter a vírgula abaixo do ponto final. Neguei o quanto pude. Acreditei que aquele ponto, para você, queria dizer reticências. Mas não, era ponto.
Ponto final para mim. Para você, talvez apenas ponto. Um ponto cruz numa história que ainda está atravessada na minha garganta, silenciada por um ponto que me fez aspirar desejando também a vírgula. Não tive permissão para dar vazão a esse ar. Não sucumbi, mas quase sufoquei.
Aquele olhar era o ponto de basta daquela situação. Olhar que podia ser cúmplice, seguido do ato definitivo do entrelaçamento. Ou poderia ser neutro, delatando a covardia insistentemente esquivada. Penso que foi o segundo.
Tinham tantas coisas acontecido antes, que, impactantes, mereciam destaque. Justamente o momento de ver e concluir coincidiram, mas foram deixados de lado. Eu tentava ainda buscar formas de compreender, botando fé numa conclusão diferente, surpreendente. Mas não. O que foi visto, sem ser lido ou ouvido, precisou de tempo para poder ser reconhecido.
O rio segue seu curso, as margens garantem isso. Ali havia uma bifurcação naquele caminho que até então, tortuoso, permanecia consistente. A água se dividiu, diminuiu em fluxo e ritmo, e seguiu.
Vista de longe, a beleza da natureza parece tão suave e pacifica. Dentro dela, é impossível controlar. Chego aqui e repouso à espera do Sol a me iluminar.

Simone de Paula – 12/10/2018

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

XIX - XX - XXI

A história começou com um palitinho. Depois mais um e outro. E quando demos por nós, era um monte deles.
Foram juntando, combinando. Ora todos em pé, ora deitados. Unidos pelas pontas, transpassados pelo meio.
Hoje são dois cruzados juntos com um palito sozinho de canto. Mas teve um tempo, no passado recente, que esse sozinho do canto tava desaparecido, permitindo que a duplinha do X pudesse recuperar o tempo perdido. Perdido especialmente quando o sumido do tempo passado, antes ainda, aparecia dividindo as coisas. 
Nessas passagens de lá pra cá, combinatórias nem sempre definitivas, seguimos brincando com esses pequenos traços, mirando no horizonte o dia em que não haverá mais distinção e nem separação.

Simone de Paula 05/10/18


O XIX deixou-nos divididas, sem força. O XX permitiu nosso destaque, marcadamente no xx das mulheres. E no XXI, sem divisão, mas com a impressão da impossibilidade de negociação.