sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Gangorra

Quem fica em cima? Quem fica embaixo? 

Se não ajustar as proporções, a brincadeira não acontece.

É o brinquedo que pela sua estrutura declara: todo mundo é diferente.

Cada um brinca como quer, mas sozinho, é muito difícil sair do tédio, dos pulinhos ou de uma fixação no chão.

Para mim o objetivo é se manter o máximo de tempo no ar, as duas partes se equilibrando, indo para frente e para trás, para cima e para baixo, forçando a gravidade ou tentando levitar. 

Quanto mais os dois componentes da brincadeira se envolvem com o outro, que fica do lado de lá, mais a coisa acontece. 

A concentração é fundamental para a excitação e o prazer incalculável da experiência.

Depois de grande, a gente deixa a gangorra no parque e pula pra cama.

 

Simone de Paula - 27/11/2020 




sexta-feira, 20 de novembro de 2020

A folha, a pena, a flor e a pedra

A folha, a pena, a flor e a pedra.

Unidas todas elas, decorando a moeda talhada de pétalas sextavadas.

O rosa se esconde por traz do cobre terroso. 

O verde se mostra nos brilhos acinzentados no corte do diamante.

Madrepérola, furta-cor, nas matizes da mandala pontiaguda.

Entre círculos e gotas, o infinito seduz.


Simone de Paula - 20/11/2020

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Teoria das Cores

A viscosidade do sangue se sentia na superfície macia. Era quente, de um vermelho forte, fechado, quase coagulado. Olhar pedia profundidade para distinguir o desenho dos traços que determinavam o quase marrom e o leve rosado.

Tirando um pouco de brilho, peso e densidade se perderam. Ficou o alaranjado enferrujado salpicado de brancos. Os opacos diluíram a massa vermelha de antes.

Um balde de alvejante lavou tudo, embranqueceu e criou pequenos poros, enrugando a superfície, amarelando o fundo em torno do qual se orientava.

Partido em dois, carregou o branco, mas buscou a fusão amorosa do rubro, crescendo tal qual rosa na primavera do jardim. O tamanho e a brutalidade revelam a potência viva da formação, separada dos demais, destacada o alinhamento.

Subindo em busca de novos encontros, misturou-se com a força do céu, do azul profundo, esverdeando o caminho. Simulando Jade, se mantém dura, resistente, persistente, de beleza inestimável.

Mas a opacidade e soberania do azul não quiseram mais dividir a atenção. Fechado em toda a intensidade do céu e do mar, sem limites, imortal. 

E, não contente com a atenção que beirava a atração orbital, ainda se aprofundou mais, silenciou, fez anoitecer sem Lua, só filetes de estrelas cadentes cortando o firmamento.

Se consumiu na escuridão e se transformou na mística purple.

Sem conseguir brecar a dispersão iluminada, se tornou cristal, translúcido, renascido e por nascer.

Simone de Paula - 13/11/2020



sexta-feira, 6 de novembro de 2020

O passo

Já te sonhei e busquei. Te imaginei e fantasiei. 

Mas, não mais. 

E agora? O que eu faço com você lá longe, distante no tempo mais do que no espaço?

A pegada pisada deixa marca, mas não se move com o passo. Mancha o caminho, pinta a superfície, prende a sombra, segura o tempo. Não sai de lá.

Despedida não funciona. Esquecimento é impossível. 

Como, só como parece ser a pergunta resposta, contida na mesma palavra que não resolve a questão, como um paradoxo, e o ciclo permanece infinito.

Se tire daí! 

Saia dali! 

Venha aqui!

 Simone de Paula - 06/11/2020