sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Se essa rua fosse minha

Aquela rua pequeninha guardava grandes tesouros. O silêncio no meio da cidade movimentada era um deles. Quando eu queria aflorar meus sentidos, escolhia aquelas calçadas para caminhar. Andava, olhava o céu e as árvores. Algumas tinham frutas, outras só folhagem. Eu nunca entendi de plantas, acho que tem árvore de flor, de fruta e de folha. Sei que não é bem assim, mas vale para a minha imaginação e meu pensamento catalogador de impressões estéticas. 
Sentir o sol e o vento na pele, tão suave, despertava desejo, me elevada a um estado apaixonado. Num dos meus passeios notei um pequeno restaurante. Naquele instante, pensei que na próxima vez viria para o almoço. Mas o tempo era incontável ali e a dona estava na entrada, sorriu e me apresentou o lugar, contando o que ela tinha na vida, sem a preocupação de falar do que poderia ser atraente como um negócio. Ela fazia a comida, servia, gostava do clima de almoço de família. Quem frequentava eram pessoas que trabalhavam perto e que faziam vínculo, conversavam da vida. Saber disso abriu meu apetite e entrei pra experimentar. A comida era saborosa, colorida, para ser degustada. Tudo que excita os sentidos deve ser usufruído com calma. Não tem repeteco, mesmo que tenha segunda vez.  
Naquele dia, voltei pra casa satisfeita, nem precisava mais pensar. A alma viva sorvia os sentimentos fluídos e presentes  
Alguns dias depois, soterrada pela rotina rígida e burocratizada que a vida moderna me oferecia, desejei voltar lá, andar mais, ir além do portão que se abriu e me ofereceu aquele carinho nutricional. Já era fim de tarde, estava levemente frio e uma garoa fina caía. O capuz protegia meus cabelos, um casaco me esquentava os braços, mas minhas mãos pediam uma caneca aquecida. Não vi nenhum sinal de um café por aí, não ousava olhar para o céu, pois a chuva parecia apertar. Desiste de me proteger tanto e encarei o frio, olhei pra cima, olhos e boca abertos, pescoço esticado, uma luz fraca brilhou cintilante. Sim, a três casas adiante, num corredor que oferecia uma escada simples, dava acesso a um espaço confortável que oferecia o que eu ansiava, um chocolate quente com mantecal. Eu olhava aquelas bolachinhas branquinhas com uma bolota de goiabada no meio, derretendo na boca, adoçando meu paladar e me levando de volta para a infância.  Minha mãe fazia um monte de mantecal, porque era fácil, barato e sempre tinha o que servir para as visitas quando vinham tomar um café e bater um papo. Eu lá, olhando o mantecal e viajando na linha do tempo quando um senhor me pergunta se eu sabia de onde vinha a receita do mantecal. Eu não tinha a menor ideia, mas respondi que da minha mãe e sorri. No universo infantil e familiar, tudo veio ou do pai ou da mãe. Ele sentou do meu lado e começou a contar muitas histórias, dele, do mundo e dos livros que ele lia diariamente. Tinha como hábito sentar naquele café e ler enquanto esperava por um cliente desavisado. Quando a pessoa em questão entrava, ele ouvia o pedido e inventava uma história pra puxar assunto. Ele não gostava de escrever, mas ler e falar e assim era um contador de histórias magníficas, todas inventadas, mas completamente aceitáveis como realidades do mundo. E, afinal, quem disse que toda história é verdade? Me vi totalmente perdida no tempo e quando me dei conta, já estavam fechando o local. Fomos embora juntos, ele para sua casa, ao lado, e eu para  meu lar. Nem preciso dizer quantos sonhos tive naquela noite. Fiz até um caderninho de sonhos depois disso, que durou pouco, não consigo ter essa disciplina.
Numa manhã de domingo, saí por aí, sem lenço nem documento. Essa expressão é curiosa, porque o que teria o tal do lenço a ver com a identificação de uma pessoa? Aliás, a que esse lenço se refere? Se pensarmos no véu das muçulmanas, o lenço tem uma forma de presentificar um limite ao corpo feminino, repressão aparente para evitar a invasão que não foi barrada e devidamente internalizada, caracterizando a convenção social desse grupo de pessoas no mundo. Mas esse assunto fica para depois, pois ele não seria apenas uma coleção de lembranças das marcas de memórias que se grudaram no meu corpo, mas um reflexão sobre uma vivência mais do que especial. 
Pois bem, estava eu sem lenço e sem documento e achei lá, na ruinha, uma feira. Como cabia uma feira livre ali? Tinha a gritaria dos vendedores, o colorido das frutas e legumes e as barracas divertidas dos consertadores de panelas. Isso sempre existe, isso ultrapassa qualquer demanda de substituição de itens avariados ou desgastados. Fiquei olhando quem estava ali, na barraca dos consertos e ouvindo o que cada pessoa precisava. Uma senhorinha queria trocar o pino da panela de pressão. Ela cozinha feijão para o neto toda semana e não pode ficar sem a panela. Outra mulher chega e pede a borracha da panela de pressão, porque a dela estava desgastada. Panela de pressão é um sucesso. Chega um senhorzinho, que queria trocar a alça da chaleira enquanto a esposa escolhia peixe para o almoço de domingo. O paneleiro arrumava as panelas, vendia as borrachas e batia o maior papo. Todos se conheciam um pouco, cada um escolhendo seus produtos, numa espécie de familiaridade sem intimidade. Ali todos se viam sempre, eram próximos, mas nada passava disso. Numa banca uma gritaria, era um menino que saia correndo com uma maçã, só pela graça da brincadeira. Comprei legumes e frutas e fui pra casa. Cozinhei e peguei um livro. A tarde passou rápido e me fez entender que a vida é como essa rua, com pequenos prazeres, algumas surpresas, familiaridade nem sempre com a intimidade que queremos. É o revezamento entre a repetição cansativa da rotina abundante em tarefas e os intervalos propositalmente desviados do caminho padrão. 
Para toda semana tem uma sexta-feira. Para toda vida tem um estado afrodisíaco para viver. 

Simone de Paula - 30/09/2016

Conto inspirado nos inúmeros céus, árvores e passeios que já dei na vida e no almoço de hoje, num lugar fofo, (Les délices) com uma amiga querida, tudo que a sexta de vênus pede.

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Nem dito, nem dizer

Minhas palavras estão desgastadas.
Tenho usado muitas delas repetidamente, exigindo muito, esforçando-as a darem mais e mais daquilo que elas mesmas significam.
Eu mesma as ouço, as vejo, as penso, multiplicando sua função e desbotando sua potência.
Me coloquei a serviço da linguagem, de processá-la ativamente na busca de sentidos, velhos, novos, explícitos, discretos. Traduzir, transmitir, insistir. Nessa obstinação, começo a sentir falta de mentir, de usa-las pela via do sem sentido, amalgamando-as com algo a mais que enriqueceria suas cores ao invés de empalidecer-las. No entanto, elas tomaram tamanha importância enquanto palavras que dizem, que eu não vejo meios de silenciá-las.
As palavras vão permanecendo as mesmas, aquelas que ouço, as que falo, as que penso. Já sei muito delas, e quando as percebo de novo, repetidas, insistentes, óbvias, noto uma ponta de vergonha acender no meu íntimo. Logo me vem o furor de um pensamento acusatório que me força a reconhecer que estou usando de novo essa mesma palavra, com esse mesmo sentido, beirando a falsidade daquilo mesmo que eu verdadeiramente digo.
A palavra não brota de lugar nenhum, ela vem do outro. Dos seus lábios, de sua mente, do seu desejo. A articulação do ar através de boca e língua que ressoa pelo ambiente e entra em mim perfurando canais e explodindo em novos sentidos. Ou mesmo aquele pensamento, que traduzido nas letras encadeadas, surpreende pela leitura de uma frase. O novo produzido em mim pelas palavras do outro é possível, pois não há novo em mim sem outro.
Recebo muito, mas preciso mediar e só tenho as minhas mesmas palavras. 
O que ouvi era tão distinto que nem reconhecimento fonético era possível. É como se aqueles sons não tivessem letras compatíveis e não pudessem se ligar na minha prévia estante visível.
Eu posso saber, entender, até opinar, mas não capto algo mais íntimo contido naquilo que estava sendo dito,p. O som desconhecido. O outro era outro. Não podia funcionar como semente de letras, palavras, frases formadoras de um jardim riquíssimo de sentidos. Mas algo ali ainda podia fazer uma conexão, afinal, aquele som entrou em mim com novas formas, atravessaram meus olhos, se acomodaram, estão aqui. Cabe a mim diante daquilo que me causaram, achar uma forma possível de saída.
Sinto falta das palavras do outro, do novo que ele pode pronunciar, do sopro que ele pode me insuflar, da vida que ele pode fazer brotar.

Simone de Paula - 19/9/2016

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Um quase

A vida não é feita de quase. Ela se faz presente e quando isso acontece não há o que colocar em dúvida. Trabalhamos todos os dias cumprindo uma agenda, até que a vida vem nos visitar num fim de tarde qualquer e mostra que aquela quase viagem, aquele quase romance ou o curso que quase fiz, aquele vestido que quase foi meu, que esses 'quase' não entraram na história. O quase é a história que gostaríamos de ter, mas que na verdade não foi. Ela quase foi a narrativa até a vida nos tomar pelas mãos e nos levar para onde bem quiser. No fim, nos resta contemplar.

Carla - 20/09/2016

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Primeiros passos

No meio da aula, entrecortada por perguntas e comentários, ouvi discretamente a frase "vou acompanhar uma viagem ao Irã em setembro". Meu coração disparou. Fui.

Esses dias me produziram muitos questionamentos. 
Sem estrutura de pensamento, eles promoveram um sem fim de impressões e sentimentos que insistem em se manifestar, mas sem se organizar. E muito menos se expressar em forma de palavras. Perguntas, essas não aparecem, se escondem como os cabelos das mulheres embaixo dos véus do Oriente.

As coisas fazem sentido, não importa de que lado você esteja.
Ela defende a condição atual, mesmo sofrendo muita repressão. Mas só o fato de não estar num estado de miséria ou de guerra, já basta para aceitar uma condição ruim.

O tempo passa, os sistemas que se organizaram de forma funcional passam a fraquejar e naturalmente uma revolução acontece. Não aquela que conhecemos, com armas, protestos e golpes, mas a verdadeira, forjada internamente, pelas acomodações e insatisfações que fazem qualquer projeto ruir. Tudo que não se move permanentemente, desaba. 

Ah, eu tô quase lá...... Eu queria já ter as palavras pra escrever o que tem sido esta viagem, mas elas insistem em serem palavras repetidas, que cansam meus ouvidos em escuta-las novamente. Queria um novo vocabulário, novas palavras se alinhando para falar de algo distante e desconhecido. Sim, carregamos sentimentos semelhantes. Sim, podemos entender, através da identificação, uma situação que não vivemos literalmente. Mas ainda assim, as impressões são sempre diferentes. As posições são outras e, nesse caso, é impossível encontrar compatibilidade. Nesse caso, tudo é único, exclusivo e intransferível.

Um sonho, um desejo: conseguir traduzir tudo isso inspirada pelo estado amoroso com que a musa, fada, maga Ana Figueiredo me ensinou a ver as coisas

Simone de Paula - 14/9/2016

Pimeiras palavras sobre minha viagem ao Irã.

terça-feira, 13 de setembro de 2016

O que foi e não é mais.

Era uma brincadeira. E ela topou brincar. Fazia algum tempo que os desafios já não eram levados tão a sério. A vida tinha ficado mais leve e não menos intensa. Ela era intensa e ponto, não brigaria mais. E assim foi. A ideia era ser levada a desconstruir a si mesma e tudo em volta. Passou a semana a imaginar o que será que descobriria? Será que ficaria assustada, decepcionada ou alegre com o que veria? O desejo era que aquele brincar fosse a chave para muitas coisas dali pra frente. E assim foi. Brincou, chorou, olhou profundamente nos olhos dos outros, pegou na mão das pessoas que estavam ali para ela e que hoje ela sabia que existiam. E no fim, saiu de lá para o futuro, porque tudo que apareceu ali já não precisava ser desconstruído. Já tinha sido. Já era seu passado. A brincadeira não seria a chave para o futuro. Foi a chave que trancou seu passado.

Carla - 13/09/2016

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Sob o céu do Oriente

'Sob o céu que nos protege' me impactou profundamente no passado. A imagem do céu, da terra e da mulher, traziam mais beleza e poesia do que eu poderia descrever. Meus sentidos traduziam tudo aquilo que estava estampado na tela com uma mistura de desejo e proibição, próprio das coisas que serão desobedecidas.
Eis que um dia eu amanheci no Oriente, e isso faz mais de três anos. Mas nada ali era árido o bastante para me levar a experimentar um Marrocos dos anos 20, nem viver um reencontro com algo perdido na minha existência.
Ainda não cheguei naquele lugar, mas passo por outro que me ativa a memória tatuada por Bettolucci. O céu, tá lá. A terra seca, ocre, também tá lá. E eu?
O Oriente sempre me fascinou. Imaginei encontrar do outro lado do mundo a minha tribo. Ainda não foi hoje. Mas atravessei a fronteira de novo e quem sabe o que encontrarei?
Cruzei com nômades transitando pela vida, dormindo no chão da cidade.
Já me assumi nômade, mas olhar aqueles ciganos ali, dormindo nas calçadas, me dâ a mesma mistura de desejo  e proibição. Mas dessa vez, isso não vem do outro, é a recusa em viver 'nessas condições'.
Que porto seguro eu espero encontrar?
Ainda falta o tempo que sobra. Um dia eu chego lá.

Simone de Paula - 8/9/16

Inspirado nas montanhas de Persepolis

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Cria

Uma filha diz para mãe: você não me escuta.
Quer sua presença além dos ouvidos.
A mãe não pode dar mais do que pode dar.
Não se entendem, irritam-se.

Estão no Rio de Janeiro, caminham juntas em Copacabana, à noite.
A mãe não entende a carência da sua menina, acha que aos 23 anos a garota já deveria ter o desapego que ela mesma sem saber deseja. Acha que diante desse corpo alto e feito, não sobra espaço para um ninar de gente pequena. 

Não pode suportar hoje que lhe peçam amor.
Mesmo a onda, o vento cantado, o samba em volta, mesmo qualquer coisa, não a fariam entregar aquilo que tanto protege.

Ela teve vontade de chegar na sua mãe, avó da menina e dizer como que contando um segredo: senti sua falta hoje, me dê um beijo, vou te contar uma história, eu não sabia que gostava tanto assim de você, não porque eu preciso, mas porque eu era assim.

Não teve o tempo, nem voz.
Hoje sente a falta, devolve a falta, ambientam-se nela.
É a ferramenta que procurava para ver-se nova.

Ouviu-se
e dormiu então.

De manhã, abraçaram-se.

Maria Laura




quinta-feira, 1 de setembro de 2016

O peixinho nadador



Maria Fernanda adorava peixinhos e aquários. Num sábado ensolarado, comprou um peixe com cara de Nemo, um aquário retangular e pedrinhas coloridas. Levou pra casa. A ideia inicial era arrumar tudo e quando estivesse bem bacana, transportar para o escritório, para a mesa de trabalho. Queria ter um contato com a realidade nas inúmeras horas que trabalhava todo dia. Ela fez um aquário bem bonito e o peixinho nadava muito feliz. Mas, tinha receio de transportá-lo para outro ambiente e ele foi ficando ali, na casa dela. Numa tarde chuvosa, atolada pelas inúmeras tabelas dos orçamentos para ver a empresa lucrar mais, foi chamada à sala do diretor que comunicou sua mudança repentina para a cidade onde a sede da empresa estava localizada. Sabia que não podia recusar. A mudança era imediata. Maria Fernanda tinha uma carreira sólida, reconhecimento financeiro e amava essas possibilidades que só o mundo corporativo possibilitava. Chegou em casa, ligou para a mãe e disse que na próxima segunda estaria em Detroit. No dia seguinte, avisou o dono da casa em que morava que sairia em 3 dias. Tudo foi rápido, tão rápido que ela nem notou o que deixou para trás. Na janela da frente, o sino de vento continuou a balançar, com a melodia suave que embalava as tardes de domingo. No banheiro, o kit de banho esperava para ser jogado no lixo. No quarto, caída no canto da parede, a santinha que tinha ganhado da avó no último aniversário. E na bancada da cozinha, Nemo nadava feliz, sem saber o destino incerto que o esperava. O dono da casa olhou o imóvel e nem mexeu em nada, deixou para o próximo dono cuidar daquilo. O peixe nadava na água parada, comendo uns restinhos da comida colocada no dia do anúncio da mudança. Ele tinha realmente sido esquecido, era o único ser vivo na lista de restos ficados no imóvel abandonado.
 Stella finalmente deixou a casa dos pais, o interior, a vida parada. Vinha toda animada para começar uma fase nova, com possibilidades de ocupação e a vocação para cuidar de gente e bicho. Soube por uma amiga que tinha uma casa disponível e que a locação era direto com o dono, sem necessidade de fiador. Topou!   Ela entrou na casa cheia de energia, de vida. Mística, espiritualista, esotérica, acreditava que nada ali estava por acaso e que deveria se apropriar do que tinha sido abandonado. Olhou a santinha, passou os dedos com carinho e a colocou no novo criado-mudo. O sino de vento ela amou. Passava duas horas por dia lendo e deixando a suavidade daquela melodia entrar. O kit banho ela entendeu que era aquilo que ela deveria jogar fora na vida nova, precisava de limpeza no corpo e na alma e o peixinho ela fez reviver, adotou e rebatizou.  E, como todo mundo era novo ali, colocou Aladim num aquário novo, maior, para ele ter mais espaço. Incluiu plantas e conchas para ele se sentir ‘em casa’, como ela tentava fazer consigo mesma. O tempo passou e Stella estava plenamente acomodada, na casa e na vida. Mas ainda não se via em desenvolvimento, queria mais, queria crescer. E, como mística que era, acreditou que se o peixinho crescesse, ela também cresceria. Stella colocou o peixinho na banheira. Passou a tomar banho na ducha externa, afinal, banho frio faz bem para a pele. No inverno, apelaria para a casa da amiga. O peixinho ficou muito feliz, tinha toda aquela água pra explorar, nadava muito. Stella, além de ler e ouvir o som do sino de vento, olhava para o peixinho apaixonada. Tentava acariciá-lo e até sentia um frisson quando seu dedo passava pelas escamas frias, era sempre um susto sentir aquele corpo. Não se sabia de que espécie era o peixe, nem se era de água doce ou salgada, ela simplesmente o adotou e o tratou da melhor forma possível, e com isso, um fato surpreendente aconteceu: o peixinho virou um peixão. Stella estava nas nuvens, tinha conseguido um feito inédito e a vida dela iria dar um salto. E deu mesmo, pois uma ONG a convidou para fazer parte de algumas atividades em que ela poderia mostrar seu trabalho e seu propósito de vida. Ela estava cada vez mais conectada com pessoas e com o mundo e realmente tinha que colocar Aladim para voar. Num dia chuvoso, olhava pela janela pensando em qual deveria ser o próximo passo. Notou que a água caía e renovava tudo. Decidiu colocar a banheira no jardim. Voltou a ter um banheiro com ducha quente, e o peixão sentia o calor do sol, o frescor do ar, as gotas de chuva, o brilho da lua e das estrelas. Ele estava se reintegrando à natureza. Ela feliz, apaixonada e dando o melhor ao amor da sua vida. Mas, uma tragédia aconteceu e num dia de tempestade, o galho da árvore da rua caiu no quintal de Stella, em cima da banheira, quase matando Aladim. Ela sabia que era uma questão de tempo, ela teria que levar Aladim dali. Chamou um amigo da ONG, Rafael, que era biólogo. Rafael investigou o peixão e disse que se tratava de um peixe de mar. Combinaram num domingo próximo para levarem Aladim de volta ao seu habitat. Como transportá-lo? Rafael se encarregou de achar um aquário para fazer os trâmites. Ela se despediu de Aladim na beira da água, chorou, secou o rosto e sorriu para Rafael. Agora ela seguiria numa nova fase da sua vida, pronta para o que pudesse acontecer. Dois anos depois, Stella volta para aquela mesma praia com Rafael e a pequena Diana, que vinha conhecer a casa de Aladim, o ‘peixão da mamãe’.

Simone de Paula - 01/09/2016