sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Repetições

My dear,

No nosso último encontro, a surpresa. Eu estava esperando um tanto mais, porém aquele foi o derradeiro. Falar assim tem o peso dramático do que eu senti, mas de todo não declarei, apenas ironizei. Já estou recuperada, sem ressentimentos.
Te escrevo para dizer que espero ansiosa seu retorno. Ficamos com um resto para acertar e tenho que dizer que algo novo apareceu. 
Como você sabe, é assim que acontece comigo, não procuro, mas acho aquilo que nem imaginava encontrar. 
Para alguns, a explicação está nos astros. Para outros, é destino. Como você não gosta de nenhuma dessas opções, ficamos então com contingências ou efeitos reais diante da linguagem que não dá conta de tudo. Sorria diante dessa frase. Você sabe que estou fazendo piada com coisa séria, mas é inevitável diante das limitações que você insiste em manter.
Voltando à minha ansiosa espera, algo novo surgiu. Emergiu como a Torre Eiffel sobre Paris. Subi vertiginosamente e lá no topo estou, com Paris aos meus pés, espalhada, pronta para ser trabalhada. Mas parei, parei sem saber o que fazer. E agora, dear, preciso de você. 
Quando eu te contar, certamente você não se surpreenderá. Eu, na verdade, surpresa também não fiquei, pois é algo recorrente. Só que agora, foi colocado de outra forma. É aquela Torre o tempo todo aparecendo por onde quer que a gente ande, mas que atrapalha por não se ausentar. E foi assim, foi como olhar e dar o nome para a bendita que fica por ali o tempo todo.
Escolhi a metáfora de Paris porque ela é encantadora. A metáfora, a Torre, e, evidentemente, Paris. Não sei se esse foi seu destino este ano. Se sim, é muita sincronicidade. Opa, palavra herege saindo da minha boca. 
Falando em palavras, ontem ouvi uma coisa simpática do Antônio Cícero, aquele amado letrista e irmão da Marina (uma das minhas musas). Ele comentava seu poema e sobre as palavras aladas, aquelas que segundo Homero, eram as palavras para saírem voando, que não permaneciam, como as palavras repetidas das poesias. Lindo isso. Se eu achar o poema dele, que tem esse título, coloco logo após o final da carta, num PS apaixonante. 
Curioso acrescentar esse papo das palavras aladas aqui. Afinal, segundo eu mesma sobre a "Torre", a última coisa que ela é, é alada, pois fica fincada se repetindo insistentemente. Já comecei a viajar aqui, hora de encerrar. 
Numa despedida, desejamos que o outro fique bem. Então é isso que te desejo.

Simone de Paula - 10/01/2020 (olha essa data, loucura de repetição)


PS
Palavras aladas
Os juramentos que nos juramos
entrelaçados naquela cama
seriam traídos, se lembrados
hoje. Eram palavras aladas
e faladas não para ficar
mas, encantadas, voar. Faziam
parte das carícias que por lá
sopramos: brisas afrodisíacas
ao pé do ouvido, jamais contratos.
Esqueçamo-las, pois, dentre os atos
da língua, houve outros mais convincentes
e ardentes sobre os lençóis. Que esses,
em futuras noites, em vislumbres
de lembranças, sempre nos deslumbrem.
CICERO, Antonio. Porventura. Rio de Janeiro: Record, 2012

http://antoniocicero.blogspot.com/2014/02/antonio-cicero-palavras-aladas.html 

Nenhum comentário:

Postar um comentário