sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

O homem e o mar

Chegando à margem, o marinheiro largou barco e remos bem apoiados na areia e saiu caminhando, aliviado e satisfeito. 
O mar, atordoado pela compreensão daquela situação, invadiu mais a terra numa tentativa de puxar o barco de volta.
O marinheiro alarmado, tentou conter aquela força da água, sem saber como ancorar a pequena embarcação. 
Quando a água se acalmou, ele encontrou uma árvore mais forte, e mais para dentro do terreno, para prender o barco, e eis que a maré subiu novamente, com ondas mais fortes e invasivas. 
O homem mais uma vez se aproximou do barco com os remos e tentou conter aquele movimento em direção ao mar. E mais uma vez a água se acalmou.
O homem então perguntou para a água, por que ela se agitava quando ele seguia seu caminho. E a água, respondeu para sua surpresa. Ela disse que sem ela ele não teria chegado ao seu destino. O homem ouviu, pensou e retrucou, dizendo que ele tinha um barco, remos e o destino, que apenas tinha escolhido ir pelo mar. E a água insistiu, que sem ela, ele não teria chegado lá. E mais uma vez o homem fala com a água, argumenta que se soubesse que não poderia deixar a água ao final do trajeto, talvez ele tivesse escolhido fazer de outra maneira. A água se agita, mas continua escutando. Ele diz que poderia ter trocado os remos por rodas e com elas, chegaria naquela base através de uma estrada. Ou ainda, que ele poderia ter trocado os remos por asas e aproveitado o ar, provavelmente chegaria bem rápido. Se tivesse lenha ou carvão o bastante, faria um propulsor e seria arremessado depois de uma explosão e lá estaria. Volta-se então para a água e conclui seu discurso, dizendo que ela foi apenas um meio.
A água parece cautelosa, compreensiva sobre aquela conversa toda. E então, tomada da mais forte das fúrias, afetada pelo sentimento de ingratidão daquele marujo, agita-se, revolta-se, mostra para ele que o meio pode ajudar ou atrapalhar a chegada a um destino.
O homem volta-se para o barco, rema com mais força, não consegue controlar as batidas da água impulsionando a embarcação e num único golpe, barco vira, remos se partem com a força do impacto enviesado e o homem se debate submerso. Ele nada, mais e mais intensamente, tentando alcançar a beira. Consegue, mas está apavorado, exausto e sem sua embarcação. 
Olha para a água e em desespero chora sua perda, seu medo, sua dor. Derrama lágrimas e palavras duras, acusando o mar sobre tudo que lhe tinha acontecido. A água volta-se para ele e responde, apenas dizendo que sim, o meio poderia determinar o destino. Ele então compreendeu que não se tratava de uma aventura individual, uma empreitada solitária, que tudo contava como colaboração. Seguiu seu caminho, aquele destino que ele buscava antes, mas chegou lá modificado, alertando a todos o quanto os meios pelos quais se chega a um determinado fim são fundamentais para o sucesso ou a derrota. E, o principal, que somos responsáveis pelo modo que tratamos os meios, pois nós os escolhemos e somos auxiliados por eles.

Simone de Paula - 19/01/2020


 pintura de Willard Metcalf

Procurando uma imagem, encontrei esse poema encantado.
https://poesiaspreferidas.wordpress.com/2017/11/28/o-homem-e-o-mar-charles-baudelaire/

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