sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Ainda vive em mim

A morte. O que deixa, o que leva. 
Deixou a mim, levou meu pai.
Deixou eterna presença esperada, ansiada, desejada. Levou o corpo belo, quente, presente.
Deixou uma promessa de mulher. Levou a menina estacionada naquela última dança.
Deixou um vazio. Levou a chance de fazer valer o lugar que ele ainda tem.
Deixou 'tanto tempo sem'. Levou 'tão cedo', quando quase estava de volta.
Deixou lembranças e esquecimentos da necessidade dele. Levou a possibilidade de ouvir de sua boca todas as respostas para as minhas perguntas.
Deixou a relação pai-menina. Levou a vivência pai-mulher.
Deixou a segurança de ter tido o melhor e único pai que quis. Levou a infantilidade da demanda ‘me dê papai’.
Dois pais tão próximos deixaram suas meninas nesses últimos dias. 
Um, amigo querido do meu próprio pai. Outro, pai da amiga-afilhada.
Choro, dor, saudade do que foi, do que poderia ter sido, de quando se transforma em nunca mais.
Pai, vale cada afeto, cada desejo, cada decepção. Só assim nos tornamos mulheres.


Simone de Paula - 03/8/2018

obs.: O que dizer sobre sincronicidade? Que isso existe, porque todo ano, muito perto do dia dos pais, eu ainda escrevo para ele, sem pensar, sem querer. É minha memória que se manifesta. Escrever e reescrever nas formas possíveis meus inscritos, meus mortos.

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