No consultório médico, ela ouvia mais uma vez as
considerações sobre a impossibilidade de uma gravidez. Na realidade, estava no
processo de fertilização há dois anos.
Não media esforços, pois o objetivo era aquele. Era apenas o
avanço da ciência a serviço das mães que não conseguiam realizar esse sonho
naturalmente.
Não se perguntava o que era tão fundamental naquilo, pois
parecia óbvio que uma mulher quisesse ser mãe. Também não tinha definido quando
seria a hora de parar de tentar.
Ver mulheres que tinham engravidado naturalmente era algo
que a fazia remoer por dentro, enfrentando uma grande impotência de sua parte.
Como poder olhar para a outra que tinha tudo aquilo que ela merecia.
Acreditava ter adiado a maternidade em função da carreira.
Acreditava também que o corpo mais envelhecido produziria óvulos mais velhos e
a concepção seria mais difícil. O médico confirmava todas as suas teorizações e
garantia que o processo era possível, pois tinha muitos casos de sucesso e até
em condições piores. Ele afirmava o que ela queria ouvir.
O tempo foi passando, o corpo se esgotando cada vez mais e
ela não conseguia admitir que talvez essa não fosse a experiência dela nesta
vida. Nunca lhe ocorreu que se tivesse que ser mãe, seria.
Num dia, desabafando com uma amiga do trabalho num café
perto do escritório, foi interpelada por uma senhora mais velha, que estava
sozinha na mesa ao lado, tomando um chá e lendo uma revista de fofocas. Ela
olhou com carinho e disse ter ouvido tudo que ela tinha dito sobre suas
desventuras e desilusões e perguntou por onde andava a sua mãe. Ela se
incomodou, não gostava de estranhos intrometidos. Mas respondeu que estava na
casa dela. E quis saber o por quê da pergunta.
A velha senhora respondeu que a mãe dela deveria ser
incluída nesse processo. Dar colo à filha que estava impossibilitada de
realizar um sonho, e principalmente lhe dizer que nem tudo na vida é possível.
Que o tempo de parar e cuidar da vida que ela tinha, ao invés de querer
fabricar a vida imaginada talvez fosse uma forma de felicidade ainda maior.
Diante de uma ‘lição de moral’, ela ficou furiosa, esbravejou,
colocou tudo aquilo que estava preso na sua alma para fora. Deu o maior
‘vexame’ em público. Se acalmou, olhou para a velhinha e pareceu entender o que
ela queria. A abraçou e agradeceu.
Saiu de lá direto para a casa da mãe e conversaram
longamente. Deixou de lado toda a postura realizadora que tanto carregou
durante a vida e viu que não precisaria mais dela. Aceitou que seu tempo tinha
acabado, ou talvez nem tivesse existido.
Voltou ao trabalho, cancelou as consultas médicas, doou
todos os livros que tinha comprado sobre o assunto. Agora era hora de deixar
partir, processar a perda de um sonho, coisa pior do que a perda real, pois se
cria tantas perfeições num sonho. Passou a olhar as mães com seus filhos, ou
mesmo mulheres sozinhas, que podiam ou não ser mães. E notou que crianças
crescem e as coisas seguem rumos imprevistos, impensáveis. E assim era a vida
dela, sem filhos, num rumo imprevisto, impensável, mas o rumo que tinha
seguido.
Simone de Paula - 27/01/2017
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