sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Chegadas e partidas... de ideais e sonhos



No consultório médico, ela ouvia mais uma vez as considerações sobre a impossibilidade de uma gravidez. Na realidade, estava no processo de fertilização há dois anos.
Não media esforços, pois o objetivo era aquele. Era apenas o avanço da ciência a serviço das mães que não conseguiam realizar esse sonho naturalmente.
Não se perguntava o que era tão fundamental naquilo, pois parecia óbvio que uma mulher quisesse ser mãe. Também não tinha definido quando seria a hora de parar de tentar.
Ver mulheres que tinham engravidado naturalmente era algo que a fazia remoer por dentro, enfrentando uma grande impotência de sua parte. Como poder olhar para a outra que tinha tudo aquilo que ela merecia.
Acreditava ter adiado a maternidade em função da carreira. Acreditava também que o corpo mais envelhecido produziria óvulos mais velhos e a concepção seria mais difícil. O médico confirmava todas as suas teorizações e garantia que o processo era possível, pois tinha muitos casos de sucesso e até em condições piores. Ele afirmava o que ela queria ouvir.
O tempo foi passando, o corpo se esgotando cada vez mais e ela não conseguia admitir que talvez essa não fosse a experiência dela nesta vida. Nunca lhe ocorreu que se tivesse que ser mãe, seria.
Num dia, desabafando com uma amiga do trabalho num café perto do escritório, foi interpelada por uma senhora mais velha, que estava sozinha na mesa ao lado, tomando um chá e lendo uma revista de fofocas. Ela olhou com carinho e disse ter ouvido tudo que ela tinha dito sobre suas desventuras e desilusões e perguntou por onde andava a sua mãe. Ela se incomodou, não gostava de estranhos intrometidos. Mas respondeu que estava na casa dela. E quis saber o por quê da pergunta.
A velha senhora respondeu que a mãe dela deveria ser incluída nesse processo. Dar colo à filha que estava impossibilitada de realizar um sonho, e principalmente lhe dizer que nem tudo na vida é possível. Que o tempo de parar e cuidar da vida que ela tinha, ao invés de querer fabricar a vida imaginada talvez fosse uma forma de felicidade ainda maior.
Diante de uma ‘lição de moral’, ela ficou furiosa, esbravejou, colocou tudo aquilo que estava preso na sua alma para fora. Deu o maior ‘vexame’ em público. Se acalmou, olhou para a velhinha e pareceu entender o que ela queria. A abraçou e agradeceu.
Saiu de lá direto para a casa da mãe e conversaram longamente. Deixou de lado toda a postura realizadora que tanto carregou durante a vida e viu que não precisaria mais dela. Aceitou que seu tempo tinha acabado, ou talvez nem tivesse existido.
Voltou ao trabalho, cancelou as consultas médicas, doou todos os livros que tinha comprado sobre o assunto. Agora era hora de deixar partir, processar a perda de um sonho, coisa pior do que a perda real, pois se cria tantas perfeições num sonho. Passou a olhar as mães com seus filhos, ou mesmo mulheres sozinhas, que podiam ou não ser mães. E notou que crianças crescem e as coisas seguem rumos imprevistos, impensáveis. E assim era a vida dela, sem filhos, num rumo imprevisto, impensável, mas o rumo que tinha seguido. 

Simone de Paula - 27/01/2017

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