sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Sonhos e devaneios

Toda noite era assim, sonhos e mais sonhos refletindo o mundo anímico permeado pelo desejo de amar que sentia. Mas, durante o dia, os devaneios chegavam a arrepiar de tanta agressividade. 
Na verdade queria aquilo que sonhava, mas nem ousava correr o risco de se machucar.
Adquiriu todas as formas de evitar a realização dos compromissos do amor. Inicialmente usou os excessos de drogas e álcool, atacando quem chegasse mais perto. Desdenhava quem olhava aquilo tudo com gravidade e se unia aos poucos que partilhavam da mesma aflição.
Depois, foi a vez das alergias na pele, especialmente braços e região peitoral. Isso refletia claramente o medo de ser abraçado, tocado, se fusionar com outro corpo. Tratou, não curou, mas engordou. A medicação baseada em cortisona acrescentou muito àquela silhueta já desgastada pela vida de fugitivo. Já estava completamente só, tinha chegado ao seu ápice. Mas, um exame de rotina, pedido pelo médico da empresa em função de uma viagem de trabalho, descobriu que seu coração poderia parar a qualquer momento. Enquanto ele imaginou que bastaria evitar o contato para não sofrer, deixou escapar o mais fiel amigo do amor: o coração. Ele se assustou. Não pode ir viajar, foi substituído de última hora. Começou mais um tratamento e dessa vez, o médico incluiu mais três atividades que deveriam ser feitas, caso contrário, relataria a gravidade da situação ao seu superior e ele provavelmente perderia o emprego. Agora, além da medicação, dieta e atividade física, ele deveria fazer acompanhamento psicológico, massagens relaxantes semanais e meditação diária. 
Ele baixou as taxas mais graves e se abriu para antigos amigos. Reencontrou um antigo amor, que tinha ficado pedido no passado e voltou a se olhar no espelho. Se viu mais velho, mais cansado, mas certamente, estava mais aberto. Agora, até o médico liberar, a vida era assim, de poucos sobressaltos, nada de recusas e muitas experiências suaves. 

Simone de Paula - 20/01/2017

Conto inspirado na frase: "Temer o amor é temer a vida e os que temem a vida já estão meio mortos.", de Bertrand Russel

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