sexta-feira, 3 de junho de 2016

Rumos


Zeca tinha entrado na faculdade há dois anos. O curso de educação física parecia o que melhor se encaixava nos seus planos. Ele não tinha a menor ideia do que fazer na vida e adorava jogar futebol. O curso dava espaço para novas amizades e as festas eram frequentes. Tudo certo, e a família ainda não pegava no pé dele. Nas horas vagas, Zeca ajudava o pai na loja de materiais de construção. Numa tarde de verão, Silvio, que tinha estudado com Zeca na infância, entrou na loja procurando silicone para vedação. Os dois acharam graça no reencontro e marcaram de ver o futebol num bar no domingo próximo. Os dois eram fanáticos pela Ponte Preta. 
Zeca era muito imaginativo e passou o resto da tarde inventando o que teria acontecido na vida de Silvio. Ele tinha repetido 2x a sétima serie, porque ele ia mal em ciências. Namorou a Regininha por quase um ano, depois que rolou o primeiro beijo na formatura. Regininha era uma loirinha tímida e Zeca pensou que esse namoro daria em casamento. Mas ela foi estudar fora e o relacionamento acabou. Silvio casou com Marcela, filha da dona Otilia, que tinha uma quitanda perto da casa dele. Hoje os dois tentavam ter o segundo filho, porque Marcela acha bom que criança tenha irmão.
Marcela mal terminou a faculdade e já casou. Se dividia entre dar aulas de matemática e cuidar da casa. Que destino! Silvio,  que não ia bem em exatas, se casou com uma professora de matemática. Marcela era uma mulher de fibra, brava, cuidava de tudo. Todo sábado à noite ela colocava Silvio e João Victor, seu filho de 5 anos para fazerem o jantar. Os ensinou a fazer sanduíche, pizza, torta e hoje era dia de bolo de cenoura. Ela ia lendo a receita e os dois separavam os ingredientes e preparavam o prato. O menino adorava a brincadeira e o pai sabia que isso garantia o futebol do domingo. Marcela não era exatamente católica, mas ia à missa aos domingos com a família toda. Sílvio gostava da tranquilidade da vida deles. Naquela tarde chegou em casa e contou o encontro com Zeca. Marcela nunca tinha ouvido falar nesse amigo, mas achou legal Silvio encontrar pessoas do passado. Silvio não contou que desse encontro com Zeca, ele lembrou da prima do Zeca, a Vanessa, que conheceu num aniversário, logo depois da Regininha ter ido estudar fora. Vanessa era simpática e toda liberal, desbocada, e Silvio ficou apaixonado na hora. Tentou beijá-la, mas não deu certo, ela não parava de falar das aulas de filosofia. Ele imagina que ela deve estar uma gata hoje. Mora sozinha, na certa, Vanessa não seria mulher de aguentar homem vendo futebol no domingo. Será que ela tem filhos? Ele tinha certeza que ela namorava um cara bacana, com carrão importado. Vanessa foi estudar fora também, mas voltou e trabalha num negócio próprio. Livre, decidida e rica. Uma mulher que um homem não esquece. Naquele aniversário ela usava jeans, camiseta rasgada, salto e batom vermelho, e nem tinha 18 anos. Marcela pergunta quando vai ser o encontro e Silvio diz que no domingo. Vão ver o jogo juntos.
Zeca encanou naquele encontro e resolveu olhar o Facebook pra achar a Regininha. Ela estava 'casada' no status, mas só tinha foto dela com uma criança, melhor, um bebê e um cachorro. Zeca fuçava as fotos, mas não achou o tal marido. O Silvio deveria saber, namoraram, né?
Dona Carmen, mãe do Zeca, chegou na loja e viu o filho ocupado no computador. Ela tinha certeza que ele estava pesquisando para a faculdade e já assumiu a loja pra ele ir pra casa estudar mais tranquilo. Zeca saiu da loja e ligou pra Vanessa.
- oi Van, tudo certo? E o Rafinha? Sabe quem eu vi hoje? O Silvião, aquele que era louco por você. Tá casado. Veio aqui na loja. Vamos tomar uma cerveja amanhã? Legal! Aparece aqui em casa umas três e meia.
Vanessa achava graça no Silvio e queria ver como ele estava. Mas ao mesmo tempo ficou com medo do que ele pensaria. Por que ela foi num encontro dele com Zeca? Vanessa passou a tarde pensando nas desculpas, porque a última coisa que ela queria era que ele pensasse que ela estava a fim dele. Resolveu ir meio desarrumada, shorts e havaianas, com camiseta velha. Pronto, visual que garante não estar a fim de ninguém. Mas ela não podia deixar de pensar: "será que o Silvio tá bonitinho? "
Por via das dúvidas, Vanessa ligou para a Regininha e comentou sobre a cerveja do dia seguinte. Quando Regininha voltou de Minas, no final da faculdade de Direito, ficou bem amiga de Vanessa, pois as duas moravam perto e o papo fluía. Elas achavam graça de terem quase compartilhado um homem. Vanessa chamou Regininha para a cerveja, ia ser engraçado um reencontro de colegas da escola. Só o atrasado do Zeca que ainda enrolava na faculdade.
Domingo de sol, Zeca animado com o encontro, colocou até a camisa do time. Silvio idem, porque torciam para o mesmo time e ia ser ótimo ver o jogo tranquilo, num bar, como quando era solteiro.
Vanessa, como sempre, pintou os olhos e passou batom, mas foi de shorts e camiseta e havaianas. Regininha colocou a roupa mais simples que tinha, um vestido colorido, e sapatilhas, porque só usava chinelo pra sair do banho. Ela nem se maquiou. Era um bar tosco e um encontro informal. Quando Zeca viu Regininha achou ótima a ideia da prima. Chegaram os três e logo chegou Silvio que teve uma taquicardia. Só podia ser pegadinha, as duas lá?!? Ele cumprimentou todo mundo e fingiu que tudo estava certo. Mas Silvio era péssimo mentindo, ficou vermelho, tropeçou na cadeira e não sabia o que ia falar. Zeca não via Regininha há anos e ficaram conversando. Pra Silvio sobrou o papo com Vanessa. Ele sabia que estava pecando só de respirar do lado dela. Tentava pensar em Marcela, mas era pior. Não sabia o que conversar, mesmo que quisesse saber da vida toda dela. Novamente aquela mulher, e ele perdido. Começou o jogo e ele sentiu um alívio. Pensava em Marcela. Pressentia que ela iria passar pela porta do bar. Ela era desconfiada. Ia chegar com uma desculpa, que queria conhecer o amigo. Ia ver Vanessa e ia achar que era um encontro. Isso ia gerar muita briga. E ela ia interromper os planos do segundo filho e já falar da pensão do João Victor. Ele fixava os olhos na TV, mas Vanessa perguntava da vida dele, se tinha casado, se tinha filhos, com que trabalhava
A cada resposta, um copo de cerveja. No segundo tempo do jogo, Silvio nem lembrava mais de Marcela e Vanessa nem lembrava que tinha se vestido mal para não dar a impressão de que algo ficou inacabado entre eles. Aliás, o que deveria ter rolado e nem rolou, só isso. Eles estavam mais perto, acompanhando o jogo e a cerveja enquanto Zeca convencia Regininha a abrir uma academia fitness. E ela, que estava louca pra sair do escritório de advocacia em que trabalhava, estava adorando a ideia. Jogo, cerveja, negócios e sai o gol tão esperado. Na comemoração, Silvio tasca um beijão em Vanessa, que aproveita e continua beijando o ex quase ficante. Zeca e Regininha apertam as mãos em sinal de acordo e caem na gargalhada ao ver os dois atracados. E na porta do bar, Marcela dá um grito decisivo:
- Silvio! O jogo acabou! Hora de ir pra casa! Teu filho tá te esperando pra comemorar com você.
Silvio olhou para Vanessa que riu e desejou felicidades aos dois. Marcela não, mas deu uma piscada tranquilizadora para Vanessa. Zeca não entendeu nada. Será que as duas se conheciam? Só podia. A Vanessa era muito descolada. Ele tinha sacado tudo, elas se conheciam e o bobo do Silvio morria de medo que a mulher imaginasse que ele ainda sonhava com Vanessa.
Um ano depois Silvio foi de novo na loja e encontrou Zeca, que estava bem mais interessado em cuidar dos negócios e dos clientes.
Silvo agora ia comprar parafusos novos para montar o velho berço, Marcela estava grávida e ele sabia que ia ter muitas noites em claro pela frente.

Simone de Paula - 31/5/2016

Conto inspirado no livro 'A vida privada das árvores', de Alejandro Zambra.

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