quarta-feira, 22 de junho de 2016

Ela era cansada

Ela era cansada, comentou a Mel sobre uma amiga.
Quem?

Eu, minha outra amiga, outras, as mulheres da família, da rua, do outro lado. Os homens.
O que cansa? Penso.
Não ter no corpo o movimento. Não ver no espelho o que não é desfigurado.
Distorcido.
Ser tomado pela fantasia. Permanecer na infantilidade de que o outro não sou eu. Ter o medo como amparo.
Que espaços são possíveis, como prazer, diante do tempo que não acredito?
Realidade.
O fato conta uma história, ela se repete, a cada retorno um novo olho.
Imagino cenários montados, construídos com bases em diferentes solos, são férteis, porque brotam, organizam colheitas sob céus de chuva e sol e tremores. Fincam raízes cuja profundidade não se vê, está embaixo da terra.
O tronco é flexível, mas reconhece sua solidez.
Maya, cujos braços e ternura me abrigaram por dias em Kerala, cuidava do seu bebê o dia todo, depois de uma madrugada entre um mamá e outro acordava disposta para o início do preparo de um café da manhã que duraria duas horas, um chapati feito na hora, quarenta graus fora da cozinha eram considerados uma temperatura suave, curry de grão de bico marrom, depois de cozinhar na panela do lado o óleo de côco enquanto doura com as sementes de mostarda, a cebola roxa, gengibre, cúrcuma e folhas de curry, ainda tinha o chai e o suco salgado de limão, isso era só o começo. De um dia todo e toda a vida.
Depois almoço, banho, roupa, compras, vizinhos, sáris, marido, tirar o leite da vaca, retirar a água da fonte. Perder o fôlego. Recuperar-se.
E aqui, uma hora no ônibus, o trabalho deficiente de limites, uma cabeça paranóica, uma mãe em frente ao seu filho triste, a mesma frustração quando se imaginava que essa não viria de novo, de novo, de novo.
Há algo valioso em cada cansaço.
Dar-se conta dele(s).
De nós (mim).
É hora de dormir e hora de acordar.

Maria Laura



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