quarta-feira, 8 de junho de 2016

Abraçados

Agora são três semanas no Brasil. São Paulo.
Um tempo dedicado a cada coisa, meus olhos já não são mais os mesmos.

Estive em uma longa caminhada pela Avenida Paulista. Gosto das pessoas, de rosto e arquitetura, roupa, vento frio, pressa. Me encanta a menina de cabelos coloridos deixando cair os livros, atrasada, no pé do ônibus lotado. Corre, corre.
O senhor vagaroso, abotoado, com o cachorro, os olhos do cachorro. A turma cansada saindo do trabalho, reclamam da fulana, que não devia ter feito aquilo, sentem raiva, gritam o quanto podem, o quanto tem permissão diante da hora e lugar, gente toda andando, corroendo suas fulanas ou qualquer coisa. Vejo um homem sem casa, um menino sem medo e sem nada a perder vivendo a qualquer troco. Estou dentro, estou fora.

A memória me cercou por todos esses dias. Eu não sabia que as buzinas estridentes de Mumbai ecoariam dentro de tudo meu tão intensas. Não era difícil imaginar.

Uma impressão constante que tenho da Índia é a de que as cidades parecem em eterna construção, prédios, casas, calçadas, ruas por acabar, sempre em processo. Aí trabalha uma mulher magra, fraca, que segura uma pá com cimento em uma mão e na outra ajeita o seu filho preso pelo sari em suas costas, uma noite com um prato de arroz, ela pensa. A poeira se mistura ao suor de gente, fica preso no catarro que escorre do menino, um nariz afinado com o esgoto, que era um rio, que tinha peixe e vivia.
Homens e mulheres nessa hora se misturam, ela se embruteceu, porque tem fome, precisa trabalhar assim, subir os tijolos da pátria, as novas bases solidificadas de uma vida estruturada que nunca terá.
Ela é indiana, é brasileira, mora em muitos cantos do mundo. Ele, o bebê, nasce todos os dias, quer leite e mãe enquanto se nutre da ausência.

Ausência.
Eu também não imaginava o quanto ela gritaria em meus ouvidos.
O que falta? Me pergunto.
Como falta? Me respondo.
Porque o outro pode me aproximar de um contato que ansiava há tanto tempo, todo tempo. O outro me (re)apresentou a mim mesma, desconhecida e que morria de saudades desse encontro.

Foi no teu afeto que algo deixou de ser meu, para ser algo quando estamos presentes, juntos.
Uma fala trancada consegue ser dita e sincera, a chave que abriu a amarra também arranhou toda a garganta e fez doer os trincos enferrujados, da falta de costume de ser.
Agora nos lembramos que o calor e os braços, o perfume de um dia inteiro do corpo do outro escreveram uma história, alimentaram uma parte dessa desnutrição. Contaram: veja o caos, olhe, há uma calma.

A minha construção é lenta. Meu amor, uma aprendizagem.
Você, caminho.

Maria Laura








Nenhum comentário:

Postar um comentário