Era Copa do Mundo.
Chovia.
Me lembro de contar,
aconchegada no teu colo.
Um trovão do lado do
outro.
Eram minhas férias,
em Ouro Preto, no meio da praça principal, eu e os gatos pingados diante de um
telão acinzentado.
Desejava uma alegria
que não sentia, porque não apagava mais as coisas que tinha visto pela cidade.
Quer dizer, tinha uma
cidade impressa dentro do meu corpo
Uma parte minha. Uma
ladeira escondida.
Foi que descobri
Chico Rei e não sabia nada dele.
E pensar que se não
fosse ele, sua mina, todos os gritos, eu nem teria te conhecido.
Era só o começo. Era
antes do começo.
Depois de visitar as
senzalas, se prestar bem atenção as paredes de pedra continuam falando contigo,
sussurram suas histórias de sangue. Que você não pensa, não lembra, nem sequer
sabe.
Eu sabia outras
coisas.
Da sede que tomava,
da sola que aperta o chão.
O tronco da árvore
vai cair. Jajá.
O que eu não percebi,
é que havia uma construção bem na minha frente. Não a via.
Quem cavou, urrou,
foram esses pequenos pedaços da memória que falha, quem nunca existiu.
Lembrados pela algema
de ferro, uma na mão outra no pé. Pescoço, cintura, tronco, alma.
Não tinham nem nome.
Eu ouvia o machado.
Escavadura.
Poderia ficar horas
ali, e quanto mais horas, mais perguntas.
Não tenha pressa para
ouvir. Hoje em dia eles não costumam mais atropelar as palavras.
Virou museu.
A palmatória que
punia a mão, tantas mãos, está lá.
Não se vê a mulher,
seu medo, mas estão lá também.
Onde pode deixar o
desespero de se saber morto enquanto respira?
...
O futebol começa.
Uma vontade de
gritar, da coisa toda explodindo.
Mas não faziam gol e
eu não tinha coragem de berrar: Vai Chico Rei!
Não se sabe nem que
rosto ele tinha, dizem estar estampado na mata, é cara de vento, sem forma.
Era um rei. Feito
escravo. Não sabia mais do sol. Enterrado.
Dia e noite. cavava a
mina, suava a mina, cavava a mina.
Um dia ele encontra
uma coisa.
Uma coisa para se
lapidar.
Um sim.
Ouro.
Parece que camuflou
até onde pode.
Depois assumiu o que
encontrara, na sua devida hora, valiosos subterrâneos esses.
Uma senhora lenda e
um novo reinado.
Chico de novo! Chico
do povo rei!
Cantaram todos!
Eu também.
Sabe por que eu te
amo?
Para ser livre.
Maria Laura
Maria Laura
Muito bom! Parabéns à escritora!
ResponderExcluirWow darling! Fantastic! I'm speechless!
ResponderExcluirFernando Molini