sexta-feira, 24 de abril de 2020

Essencial

Essa quarentena está me permitindo ter muitas experiências.
Sou de família de cozinheiras, curandeiras, benzedeiras, quituteiras. Desde pequena, além de mãe, vó e tias cozinharem muito bem, tinha tia que benzia com água e azeite e tinha tia que esmagava ervas para curar estômago, garganta e o que mais aparecesse. Vivi tudo isso e guardei como um bem precioso. 
Comida todo mundo podia fazer, ainda que uns mais talentosos do que outros. Mas benzer, isso era só pra quem tinha o dom. Nunca soube mais quem tem dom, acho que a prima que nunca assumiu essa herança, mas ela não quis. Se ela estiver me lendo agora, saberá que é dela que eu estou falando.
Tudo isso já tava lá no céu, marcado nas estrelas e nos planetas quando eu nasci. E, junto com isso, vinha na bula: "vive na infância, vive quando for bem mais velha...". E cá estou eu, reproduzindo coisas que não tinha feito ainda, menos por falta de saber e mais por falta de vontade mesmo. Não quis executar e nem competir com quem executa. 
Mas chegaram os dias de isolamento, confinamento. Que maravilha! Estar em casa, ora como um meio ambiente pronto para aproveitar tempo e espaço de acordo com o ritmo do mundo, agora mais lento, ora como silêncio, aconchego, bem-estar. Mais uma vez digo, estava nas estrelas, não ia negar.
Papo daqui, papo de lá, instigada pela amiga de longa data, resolvi ir um pouco mais fundo nos afazeres domésticos. Como muitos, na corrida do bendito glúten, renegado em tempos de barriga sarada, resolvi fazer pão. Como é algo que não se improvisa, porque os elementos básicos devem ser respeitados para que a alquimia se dê, comprei panela de ferro, farinha branca, fermento e quando tudo estava nas minhas mãos, fui lá e realizei o feito. 
O processo lento, deliciosamente simples, mas exigindo um prévio entendimento de texturas e o que fazer para atingi-las. Deu certo! Misturou, cresceu, afofou, assou e ficou direitinho, como devia ser: crocante por fora e macio por dentro. De resto, tinha a cara que tinha. A fumacinha sobiu, a manteiga derreteu e o café acompanhou.
Depois do um, veio o dois, com uns incrementos, porque, como já disse, tava lá nas estrelas, não seria diferente. Tantas possibilidades de variação, repetir pra quê?
Mas tem aquele desejo, aquilo que você quer e não pode ter. A não ser, se você conseguir fazer. Sim, o pão de laranja, fermentação lenta, com chocolate branco e mel, assinado por deus, ou pelo meu anjo da guarda lindo cheio de luz. 
Começam os problemas de inspirada solução. Como colocar laranja ali? Claro, essência. Mas onde achar? Tem a artificial no mercado, ou aquela bebidinha gostosa, cointreau. Devia ter trazido da última viagem. Artificial, nem pensar. Para fazer hoje mesmo, preparo a manteiga com laranja, mas corro o risco de não dar certo. Então, vamos aprofundar um pouco mais na cozinha alquímica : preparar em casa.
Vem a amiga que não deixa a gente na frustração e manda o link: como fazer essências maravilhosas em casa. Nossa, agora um mundo de possibilidades se abre. Faço um corpo mole, mas é muito fácil, nem dá pra recusar pelo trabalho. Lá vou eu em mais uma aventura, dessa vez, aventura mesmo. Vamos ver no que vai dar essa. Ter minhas essências em casa, bendita liberdade.
Já avisei, quando eu estiver fazendo queijo em casa, me internem na roça.

Simone de Paula - 24/04/2020





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