sexta-feira, 1 de março de 2019

Restos

Estela voltou ao trabalho. O pentelho ainda estava gravado na pálpebra fechada, impedindo que ela se concentrasse em qualquer outra coisa. Queria o dono daquele pêlo. 
Percebia em si uma coisa que não fazia sentido, nunca tinha sido assim, ligada nisso. Pêlos, secreções, odores, isso era tão dessexualizado pra ela. Seja pela profissão ou pela repressão. Sempre lhe pareceu que o que a interessava era um cara bonito, com um papo bom, uma cantada decente. Mas o corpo em si?'? Ouviu de cientistas que a coisa funcionava desse jeito. Mas ela não tinha sido pega, pelo menos consciente, por aí.
Decidiu abrir o aplicativo, precisava apagar aquela imagem. Sexo seria uma boa tática. Deu match com um cara. Saíram, tomaram uns drinks, foram para a casa dela, transaram. Ela admirava aquele corpo, como uma especialista. O cara adorou estar ali, avaliado pedaço por pedaço. Mas a intenção era ver se o que ele tinha combinava com ela. Mesmo não sendo um cara já conhecido, estava investigando se era qualquer pêlo ou apenas aquele lá. Ela parecia o príncipe da Cinderela, procurando o pêlo que encaixava no saco certo. 
O sexo foi bom, porque até sexo ruim é bom se você sabe o que fazer ali. Então, valeu a noite. Mas para sua pesquisa, não funcionou, precisava ir atrás do dono daquele artefato poderoso. 
Ela não tinha mais o pentelho em mãos, só lembrava da imagem, mas resolveu reencontrar as últimas transas. Pensou nos nomes, nos rostos, qual deles tinha potencial de poder ser o cara certo. Não, isso não funcionou. Resolveu transar todo dia ou noite, recapitular os encontros. Alguns acharam estranho ela reaparecer. Outros estavam comprometidos e não podiam vê-la. Nem toda pesquisa funciona de forma controlada e do jeito que se quer. Duas semanas de encontros e sexo e nada do peludo gostoso. Chamou uns amigos para desencanar um pouco da fixação, pois ela mesma não aguentava estar tão limitada por aquela história. A turma dela era pequena, 3 amigos que geralmente se encontravam para reclamar da vida. Cada um levava bebida, ela providenciava comida. Ligavam a tv em algum filme ou seriado, menos para assistirem e mais para ter algo ali, de fundo, que pudesse ser olhado quando o papo acabava. João e Marcelo vieram juntos e já foram colocando bebidas na geladeira e as mochilas no quarto. Eram 'de casa'. Marina chegou apressada, como sempre. 
Estela tinha decidido fazer algo diferente, porque precisava desviar a mente. Fez jantar ao invés de petiscos comprados. Mesa posta, entrada, prato, sobremesa. Tinha caprichado. Durante o jantar conversaram, riram, ela pensou se contaria ou não para eles sobre a sua nova paranóia, mas não achou um espaço. Nem ligaram a tv, apenas a música continuou tocando. Se jogaram no sofá e o papo foi dando lugar ao sono. 
Acordaram amassados, sem pressa de irem embora, era sábado e ninguém trabalhava. Cada um foi se encarregando de arrumar a louça da noite anterior e preparar o café-da-manhã. Pareciam irmãos ou colegas de casa. 
Depois do café, foram todos embora e Estela foi dormir mais na cama. Acordou depois do meio-dia. Quando chegou na pia do banheiro, deu de cara com o pêlo novamente. Era o mesmo que tinha voltado pelo ralo, vivinho da silva? Ou era um novo, da mesma fonte, do mesmo dono? A cabeça deu um giro e ela não podia acreditar naquilo. Agora ele não estava no cantinho, mas bem no meio da pia branca. João ou Marcelo?'? Jura?'? Mas como aquilo tinha ido parar ali? Perguntas rodavam a sua cabeça sem parar. Ela ficava num misto de desconforto e desejo, pensando o que tinha acontecido naquele banheiro. Transar com um deles era como transar com um irmão. Incesto. Não podia encarar esse desejo.Mas além do desejo tinha a curiosidade sobre o que um daqueles dois tinha feito no banheiro dela. Precisava averiguar.
Chamou todos no final de semana seguinte para sua casa de novo. Não conseguia se concentrar nas conversas, só olhava os pêlo dos braços e do peito dos dois. Acompanhava cada um que ia ao banheiro e o tempo que levava lá. Era tudo meio parecido, não saberia como decidir qual dos dois era o cara.
Não sabia o que fazer. O sentimento de carinho vinha quando olhava e conversava com eles, até durante o abraço. Mas quando imaginava que debaixo da calça tinha aquele pêlo, sentia o tesão solto, intacto, sem a necessidade da pessoa de qualquer um deles, apenas o corpo. Objetificava os amigos agora, como tanto criticou os homens que se fixavam em bundas e peitos dos corpos das mulheres. 
Olhou para eles mais uma vez, decidiu abafar aquele desejo. Fez piadas, riram, deixou o caso pra lá.

Simone de Paula - 01/03/2019









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