sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Stress

Todos os dias eram assim, chegava ao trabalho e encontrava alguns documentos largados na sua mesa. Respirava fundo, lembrando que na noite anterior tinha deixado a mesa limpa, sem nenhuma pendência. Mas aquela era a sua profissão, tinha um certo orgulho de dar conta de tudo e todos. Nem percebia o absurdo da situação, do caos. 
Chegou, largou a bolsa, pegou um café. Sentou, colocou os óculos e começou a examinar o primeiro documento, uma planilha de custos. O telefone tocou. Ela atendeu ainda com a planilha na mão, olhando números e ouvindo o que vinha do lado de lá da linha. Era a colega de trabalho perguntando se ela já tinha uma resposta para o problema do material avariado que deveria ser pago ainda naquele dia. Ela lembrava desse assunto, mas não tinha resposta. A colega avisa que mandou um email com as ameaças do proprietário. Mari, que já tinha deixado o computador ligando, foi verificar as mensagens. Em menos de dez minutos, ela tinha uma planilha na mão, um telefone na outra, o café já frio na sua frente e, numa ação automática, apoiou o telefone entre ombro e orelha, liberando sua mão para abrir o email e ver as tais ameaças. Realmente, o cara estava bravo, mas negociariam esse problema. Ela só precisava de mais duas horas. Disse isso para a colega e desligou. Parou, fechou os olhos e soltou a cabeça para trás. Voltou para tomar um gole de café e olhou na sua frente. Viu as flores coloridas, que o chefe fazia questão que estivessem espalhadas para embelezar a empresa, e o porta-retrato com a foto de presente da sua equipe, em que ela estava como agora: mesa cheia, papéis na mão, telefone no ombro e olhar na tela. Sentiu que o café desceu mal, como se tivesse escorrido torto pela garganta. Ainda estava sozinha na sala. Num golpe, tombou para o lado sem saber o que acontecia. Assustada, levantou rapidamente e sentou como se não tivesse acontecido nada. Tentou sair da cadeira, mas tudo rodava. O estômago estava embrulhado, ela enjoada. Os olhos não podiam mirar em nenhuma letra que parecia que ela ia tombar novamente. Não sabia o que estava acontecendo. Ou melhor, sabia, mas não tinha coragem de largar tudo ali. Estava em situação de stress há tantos anos que não sabia como viver sem aquele turbilhão. Tentava amenizar os efeitos com exercícios, boa alimentação, chás e homeopatia, mas a conduta mesmo, ela não conseguia mudar. Viciada em controle, sabia de tudo e resolvia qualquer coisa. Fissurada em atenção, estava rodeada de pessoas e demandas. Quando não tinha nada para fazer, lembrava de alguma pendência ou requentava algum assunto que já tinha ficado no passado. Escrava do tempo, preenchia todos os minutos com algum tipo de informação ou tarefa. Acumuladora de dinheiro, recebia um bom salário que não tinha nenhum destino, porque ela nem sabia o que a satisfazia e nem conseguia se orientar para obter o que desejava. 
Mari continuava ali, sentada, muda, esperando aquele acesso passar. Não foi o email ameaçador, nem o telefonema aflitivo, nem a planilha estourada nos custos, foi o café, pensou ela. Café mais stress, uma bomba. Ligou para a assistente e para o chefe. Disse que precisaria ir para casa naquele momento. Respeitou pela primeira vez seu limite, ou melhor, o corpo faliu para lhe dar o último limite. Pediu que não ligassem ou mandassem mensagens para ela, pelo menos naquele dia. Ajudada pelo segurança da empresa, entrou num táxi e foi pra casa. Lá, deitou e deixou o mundo rodar. Sabia que se ouvisse algum sinal do celular, não se controlaria e atenderia. A abstinência não começa no dia em que se decide parar com a droga, mas depois. No primeiro dia é fácil, o medo parece um grande motivador. Dormiu longamente, teve sonhos complexos, assustadores, um sono agitado.
No fim do dia parecia melhor. Ligou para o chefe e assumiu que tinha tido uma crise de stress. Ele, assim como qualquer pessoa, incluindo os médicos, lhe disse: você tem que se cuidar, diminuir o ritmo, fazer algo. Nas entrelinhas, o stress e culpa do estessado, porque ninguém divide a responsabilidade. 
Mari, que resolvia todos os problemas, agora tinha um dos grandes, o seu próprio, nas mãos e não sabia o que fazer. Ligou para a mãe, que num tom preocupado, perguntou se ela queria sua companhia. Não, não queria e a dispensou. Ligou para uma amiga, conversaram longamente, desabafando as dores da existência da mulher moderna, sobrecarregada. Percebeu que depois dessas duas mulheres, que em parte, concordavam com ela, mas não conseguiram dar nenhuma saída para a situação, ela não tinha mais ninguém além das muitas pessoas com quem trabalhava. Suas relações pessoais eram muito restritas. Ligou para um ex-namorado, com quem ria muito. Ele atendeu, papearam, foi divertido. Depois do término, dolorido, a amizade foi preservada. Não se encontravam, mas estavam ali para qualquer emergência. Ele disse pra ela que não entendia porque as mulheres eram tão estressadas. De que tinham tanto medo? Ela respondeu, meio sem pensar, dizendo que era medo de ficar só. Não foi só ele que ouviu a resposta, ela também e num tom bem impactante. Ele riu e perguntou quem estava ali com ela. Ela riu silenciosa, sabia que estava sozinha e num giro de pensamento, tão vertiginoso quanto sua queda no trabalho naquela manhã, percebeu que o isolamento era dela. Agradeceu o papo. Tomou um banho, dormiu novamente. No dia seguinte retornou a rotina, agora sob um novo olhar, escutando o silêncio da solidão. Resolveu que devolveria alguns problemas para seus donos. Não precisaria mais ter a melhor solução para todas as questões. Mandou pagar a avaria logo que chegou no escritório. Conversou sobre os valores excessivos e pediu que se chegasse a um valor menor. Pegou seu café e tomou ouvindo uma música que o ex tinha mandado por mensagem durante aquela noite, rindo da eficiência de alguém que faz parte da nossa vida para momentos de emergência e colabora da maneira mais suave que pode, sem entrar no conflito. 


Simone de Paula - 11/1/2019

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