O corpo inteiro não fazia mais sentido. Era mapeado pelas dores incessantes. Doía o
ombro, o joelho, a lombar. No dia seguinte, doía o estômago, o olho esquerdo e
ainda o dedinho do pé, que colidira com o sofá que estava sempre no meio do
caminho. Só quem não sabe de si pode acertar em cheio o seu dedo com um móvel
inanimado no meio da própria casa. Nem conhece o corpo, nem a casa. As
dimensões se confundem, porque a cabeça não está lá, no lugar.
Diante da coleção de dores, uma parte do corpo parecia
permanecer intacta, a cabeça. Pensando bem, talvez ela fosse tão ativa que nem
doer, doía. Apenas refletia a dor da alma face
aos não saberes do mundo. Então, cabeça e alma doíam também. Aliás, a alma ela
sabia que doía, muito, talvez fosse a mais dolorida. Mas como isso era uma
razão para viver - combater a dor da alma -, se importava menos em dissecar os
cantos obscuros desse universo conhecido.
Quando se deu conta que a cabeça só parecia não doer, mas no
fundo, doía, se fixou ali, buscando encontrar um lampejo de dor antes que esta
se espalhasse pela região toda. Buscava a dor com olhos voltados para o alto,
como a investigação de um detetive. Se estivesse caçando piolhos, estaria tão
envolvida como nessa perseguição à dor. Piolho não dói, mas coça e incomoda quase do
mesmo jeito.
Fuça daqui, fuça de lá, até que encontrou o ponto certo, ali
tinha um foco de dor. Pequena, leve, quase imperceptível. Perto do ouvido, do
lado direito do maxilar. Tensão, ansiedade, stress, bruxismo, otite?
Nesse sem fim de conjecturas, a paranoia se instala. E então,
os pensamentos seguem o caminho da loucura iminente: ” e se eu ficar louca e
quebrar a minha cabeça em pedacinhos? Tenho um martelo na cozinha para a carne
e martelo na caixa de ferramentas para pregos. Mas para quebrar a cabeça, será
que martelo resolve ou precisa de marreta?”
O sem sentido cheio de significações seguia na velocidade
acelerada dos pensamentos do lado de dentro da cabeça. Se começasse a falar disso
com alguém, diminuiria para 10% as considerações em que tinha chegado até
então. Uma coisa era certa, precisava se prevenir de si mesma, porque dor
enlouquece.
Resolveu manter os inimigos bem perto. Martelinho de carne
numa mão, Martelão de prego na outra. Os pesos eram bem diferentes, as dimensões
também. E dali, a cabeça seguiu pensando nos martelos e suas utilizações. Será mesmo
que um preguinho precisa de um martelão?
Louca mesmo ela fica de pensar, sem perceber, que mais do que sentir a dor, essa
viagem maluca a afasta da realidade, daquele corpo de pedacinhos, que dói. E só
dói, porque algum martelinho insiste em acordar aquilo que dorme.
Simone de Paula -04/01/2019
Nenhum comentário:
Postar um comentário