sexta-feira, 6 de julho de 2018

Foi hoje o dia.

Ele acordou cedinho, ainda era noite no céu. Tomou banho, porque apesar do frio, suava muito de nervoso e ansiedade. Tudo tinha que dar certo, mas sentia que podia dar muito errado. Não estaria sozinho, mas era cada um por si e deus por todos. Essa era a primeira oportunidade que tinha na vida. Se fizesse bem, podia subir de posto e ganhar muita grana. 
O ‘batismo’ tinha sido um mês antes, e ele mandou bem. Agora era pra valer. 
Entrou na van que o esperava na esquina. Olhou no rosto de cada um que já estava dentro do carro. Rodaram mais meia hora, entraram mais duas pessoas. Chegando no centro, a moça desceu e eles ficaram em quatro rapazes, mais o motorista. Foram para um bairro residencial. Ele rezava, porque isso ajudava a acalmar. Tinha sido criado na igreja e contava com deus a seu lado.
O motorista parou e desceram. Se olharam e cada um seguiu numa direção. Ele se benzeu, arrumou a mochila, colocou o fone no ouvido e as mãos no bolso, apertou o passo e seguiu. Olhava brevemente as pessoas na rua, não fazia contato visual, nem olhava muito demoradamente para nada nem ninguém. Viu na frente dele uma moça bem nova, jeito de estudante, bolsa de lado e livros nas mãos. Apertou o passo, chegou junto. Falou baixinho pra ela passar a grana. Ela virou o rosto para ele, arregalou os olhos e ele levou um susto. Ficou na dúvida se era ela ou ele, porque tinha jeito de menina, mas também barba rala e rosto de homem. Na mesma hora, perdido diante da androginia que via e aturdido com a ereção que acabava de sentir, se perdeu no próprio corpo. Desarmou as defesas e levou um soco na cara. Se desequilibrou e caiu com tudo no chão. Virou o rosto para olhar de novo aquela figura que o impressionava. Ganhou um olhar da raiva e desdém que fizeram seu corpo estremecer de desejo. Sua cabeça girava. Náusea, tontura, zumbido no ouvido. O vômito imperioso o fiz voltar a si. Procurou, mas tinha perdido seu alvo. 
Precisava continuar. Levantou e viu que alguns transeuntes se agitavam à sua volta. 
Ele saiu para outra direção até sentir que tinha despistado os curiosos. O corpo doía e ele estava muito frágil. O tempo passava e ele não conseguia achar outro alvo. Foi elevando novamente suas defesas. Força e raiva se misturavam, mas quando fechava os olhos, lembrava do olhar que viu, o desejo que sentiu e a surpresa que tinha virado insegurança. Parecia negar algo dentro de si, mas ainda não entendia o que. De inseguro a raivoso, foi um passo. Estava com medo de não conseguir nenhum pertence naquele dia. Fracassar logo de cara, nem pensar. Ia ter que explicar o que aconteceu e tinha vergonha. Olhava muito para o chão, parecia querer se esconder, mas não podia, porque o tempo passava e ele tinha uma missão. 
Saiu das ruas mais movimentadas. Se sentia reconhecido por qualquer estranho que estivesse na sua frente. Se benzeu, rezou, seguiu pela viela com determinação. Viu na sua frente mais uma menina, mesmo jeito de universitária. Mochila nas costas e uma garrafinha de água na mão. Apertou o passo. Raiva nos olhos, vingança nas mãos. A atacou. Não queria carteira ou celular, queria sua macheza de volta. Ela, pega de surpresa, nem soube como se defender. Ele a estuprou com o desejo que sentira algum tempo antes. Arrancou a mochila das mãos dela e saiu correndo. Sentia alívio, agora tinha de novo sua sanidade. Sorria e fingia não notar a culpa que o acompanhava como uma sombra tenebrosa. Olhou no relógio, era hora de voltar. Entrou na van e mostrou a mochila. Lá dentro nada de grande valor para ele, mas a alma estava lavada. Se benzeu novamente, agradecendo a deus que tudo tinha dado certo. Fechou os olhos e descansou no banco, esperando chegar em casa logo. Por traz das suas pálpebras, o olhar que recebeu naquela manhã jamais seria esquecido, e nos pensamentos, a decepção por ter cometido o pior ato. Foi marcado para sempre, num único dia, com o maior desejo e a pior culpa de sua vida. 


Simone de Paula - 05/07/2018

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