sexta-feira, 2 de junho de 2017

Protestos, processos

A crise interna era grande. Nem se tratava da luta do desejo com a repressão. O desejo há muito não existia e a repressão já tinha sido desmantelada. Restava agora o pior. Hábito a serviço da preguiça e medo a serviço do vazio. Descrevendo assim não parece, mas era um vício. Tudo é vício, mesmo que nem se classifique como droga. 
Aliás, começou como um desejo que visava transgredir. Seja lá o que for, já era ilícito. Tinha uma lei que proibia fazendo ser desejo.
A lógica que estruturava sua tortura já tinha sido definida. Culpa insistente, desistência, gozo pleno, culpa eterna, racionalização, resistência, tédio, vontade, culpa insistente novamente. Uma bela cadeia. Mais precisamente, uma solitária.
Visto que era um modo de funcionamento, não era novo. Se repetia toda vez que um novo desejo aparecia, sendo arrastado para a organização prisional pré-estabelecida. Dúvida é, cumpre-se a pena até o fim, ganha-se liberdade por bom comportamento ou cria-se uma fuga?
Existia culpa e muita, mas nada que determinasse prisão perpétua. Seus vícios não eram reconhecidos como tal, deixando a brecha que recorta o tempo definir um limite, encontrar o 'chega!'
Na cadeia usada, tem tédio. O tempo fica parado, cessa de trabalhar no sentido do andamento do processo de punição. Parece que há o bom comportamento envolvido, porque na organização, tem sempre uma prévia racionalização que destaca a aceitação. Foi por aí que saía de um vício para outro, ou melhor, reencontrava o vicio com opções variadas.
Mas como seria a fuga? O fugitivo não aceita condições, não se adequa ao sistema, cria uma saída justamente aonde os muros são mais duros. Cavuca, faz buraco de minhoca, conta com o tempo inútil para inventar o escape. Pra isso funcionar, a lei e a culpa devem ficar suspensas, liberando o sujeito para um movimento alternativo. Rebelde, faz graça com a obediência, transgride movido por desejo. Isso tudo não pelo vicio que movimenta a culpa, mas para mostrar desdém à punição, curtir com a cara da cadeia,  montando uma nova organização.
É, parece que todo desejo só pode ser assim porque encontra o que é proibido.
Na reinserção social, ninguém consegue se livrar das marcas do processo. Melhor aceito pelos bons modos, se dispondo a ajustar-se aos costumes. Pior aceito, refletindo um estado que escapa ao controle total. O destino é o mesmo, uma hora você cai de novo na roda que gira produzindo outro cenário para a mesma brincadeira.

Simone de Paula - 02/06/2017

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