sexta-feira, 9 de junho de 2017

O amor acontece

Se for para o amor acontecer, que seja logo de cara.
Ouvi recentemente a história de uma mulher que desde nova tinha decidido não se meter com as coisas do amor. 
Alguns pensariam que ela desejava entrar para um convento. Mas não, porque nesse caso, teria amor, só que destinado a um deus.
Ela também não quis cuidar dos pais mais velhos ou filhos dos outros, foi viver sozinha, longe dos familiares. Estava decidida a viver uma vida simples, sem maiores afetações emocionais. 
Não era uma questão de ter controle sobre tudo, lidava bem com imprevistos. Era comum colocar o leite para ferver e ir regar algumas plantas e quando ouvia o chiado do líquido no fogão e o cheiro de queimado, saia correndo para apagar o fogo. Se irritava levemente por ter que limpar a sujeira, mas isso não a abalava. 
Também não era limitada ao seu pequeno mundo, fazendo compras nos mesmos lugares evitando novas pessoas na vida. Pelo contrário, quanto mais estranhos, menos contato, menos afetividade envolvida. Vivia no mundo das coisas e não das pessoas. Não era amarga, só não queria vínculos.
Os sobrinhos geralmente a achavam solitária e queriam que ela tivesse algum animal de estimação. Para ela nem cachorro, nem gato, nem peixe, nem pássaro. Não queria companhia e achava absurdo  o bicho ficar submetido e preso pela carência dos homens. Ela não se sentia carente.
Não era chata, mas vivia apenas para si. A vida já exige bastante atenção e trabalho, simplesmente para se manter vivo, não precisa mais do que isso. As donas de casa sabem bem, pois da hora que acordam até a hora de ir dormir, passam o dia todo fazendo coisas que deverão ser feitas novamente no dia seguinte. Comida, limpeza, arrumação, e tudo pede repetição.
Ela também não era uma melancólica que esperava a morte, pelo contrário, vivia. Era comum comentar que mulheres que não se casavam e viviam sozinhas, tinham maior longevidade do que aquelas que se dispunham a sofrer de amores e maternidade.  
Gostava muito de jardinagem, plantas, flores, uma pequena horta. Escolheu onde morar justamente para poder se dedicar à terra e tirar dela os prazeres dos sentidos. Sua casa sempre estava enfeitada com as flores do seu jardim e a refeição tinha algo que tinha sido plantado e colhido por ela. Admirava também os insetos. Abelhas, caracóis, formigas. Conhecia os que eram amigos das plantas e os que poderiam destruí-las. Sabia também como exterminar os inimigos invasores sem usar veneno para si mesma e nem para a flora exuberante que tinha criado. 
Era véspera de natal e a família se reuniria na casa dela para as comemorações. Ela gostava de recebê-los em ocasiões especiais. Estava concentrada no jardim, escolhendo o que ia usar para o vaso do centro da mesa da ceia, quando ouviu palmas no portão. Era um jovem rapaz que sorria e tinha um saco de algodão nas mãos. Ela não era desconfiada e nem medrosa e se aproximou para saber o que ele queria. Ele se apresentou. Tinha mudado recentemente, vindo do interior onde tinha sido criado numa chácara. Comentou que passava diariamente pela casa dela e ficava namorando seu jardim, pois sentia falta da terra e das plantas, porque onde morava hoje só podia ter vasos. No saquinho, ele trazia algumas sementes da sua planta preferida e queria saber se poderia plantar ali. Como se tratava de uma espécie de raiz profunda, seria impossível fazê-lo em um vaso. Ela ficou surpresa e animada. Não tinha imaginado compartilhar seu jardim, mas pareceu uma boa ideia. Enquanto ele plantava, ela observava as mãos dele, prestava atenção aos gestos e as explicações que ele dava sobre aquele tipo de semente e planta. Tudo foi muito rápido e ela se pegou completamente arrebatada pelo tom suave da voz daquele jovem. Quando se despediram, ela sentiu falta de continuar envolvida com o sotaque simples do interior e o conhecimento profundo das coisas da terra. Foi fisgada e nem era um peixe.
No dia seguinte ele veio e ela o convidou para almoçar com todos, afinal, era dia de natal e ele estava longe de casa. Ele aceitou e nunca mais saiu de lá. Ela sabia que não era apenas o amor por ele, mas o amor que compartilhavam que os unia. O desejo apareceu, evidentemente. Eles se relacionara além da fronteira da amizade. Recuaram quando notaram que aquilo poderia se transformar numa batalha de ciúmes e disputa e aceitaram o acordo de paz. O limite era o jardim. Ele propôs aumentarem o espaço disponível para as plantações, pois queria fazer daquilo seu ganha-pão. Foi perfeito. 
Anos se passaram até que um dia ele se despediu, voltaria para o interior, não pertencia à cidade.
Ela imaginava que isso poderia acontecer. Não se importou, as coisas devem mudar de tempos em tempos. Ela tinha entendido porque a tal planta preferida era especial para ele e cuidava dela no seu jardim como forma de agradecimento a ele, por ter provocado nela o amor.

Simone de Paula - 09/06/2017






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