Chovia. Conversávamos no trânsito. Precisamos parar.
Nos sentamos em uma mesa milimetricamente escolhida, tinha
uma certa distância da janela, a luz era confortável, ninguém por ali poderia
nos ouvir e não éramos miras fáceis dos estranhos que entravam, de qualquer
forma os temidos não eram eles, eram os outros.
Os garçons nos olham ansiosos, devem imaginar o que será que
escolheremos, se somos do tipo vinho, ou do tipo água. Estão em pé, só o que podem
saborear são nossos diálogos escapados, ou seus pensamentos, contas a pagar que
valem os minutos em pé, pensam nas famílias em casa, na goteira, esperam um ônibus
mais vazio hoje a noite para que possam sentar e talvez dormir um pouco, quem
sabe depois disso ter ânimo bastante para um abraço caloroso na mulher que
dorme, para pequenas surpresas entre suas curvas e cabelos.
Nunca saberemos, tudo é imaginação.
O que, no entanto, soubemos ali foram outras coisas.
O lugar supostamente perfeito não era assim por suas
dimensões geométricas calculadas, era uma outra lógica, a de que nada se
contém, não tem forma, moldura, estampa. Esse ponto era de construção, palavra
por palavra, afeto por afeto. Não tínhamos que ser qualquer coisa definida, a
faca dilaceradora dos requisitos cedeu espaço, éramos o mais sinceras que nos cabia,
pulmão cheio de ar, respirávamos o alívio de ser sem critério.
No final ela contou da experiência que teve: entendi o valor
de um dia, de uma noite, estou viva, tudo importa.
Pensei: tudo importa.
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