quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Passe o sal

Chovia. Conversávamos no trânsito. Precisamos parar.

Nos sentamos em uma mesa milimetricamente escolhida, tinha uma certa distância da janela, a luz era confortável, ninguém por ali poderia nos ouvir e não éramos miras fáceis dos estranhos que entravam, de qualquer forma os temidos não eram eles, eram os outros.

Os garçons nos olham ansiosos, devem imaginar o que será que escolheremos, se somos do tipo vinho, ou do tipo água. Estão em pé, só o que podem saborear são nossos diálogos escapados, ou seus pensamentos, contas a pagar que valem os minutos em pé, pensam nas famílias em casa, na goteira, esperam um ônibus mais vazio hoje a noite para que possam sentar e talvez dormir um pouco, quem sabe depois disso ter ânimo bastante para um abraço caloroso na mulher que dorme, para pequenas surpresas entre suas curvas e cabelos.

Nunca saberemos, tudo é imaginação.

O que, no entanto, soubemos ali foram outras coisas.
O lugar supostamente perfeito não era assim por suas dimensões geométricas calculadas, era uma outra lógica, a de que nada se contém, não tem forma, moldura, estampa. Esse ponto era de construção, palavra por palavra, afeto por afeto. Não tínhamos que ser qualquer coisa definida, a faca dilaceradora dos requisitos cedeu espaço, éramos o mais sinceras que nos cabia, pulmão cheio de ar, respirávamos o alívio de ser sem critério.

No final ela contou da experiência que teve: entendi o valor de um dia, de uma noite, estou viva, tudo importa.

Pensei: tudo importa.


Maria Laura, São Paulo, italiano no Itaim. 

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