Durante os primeiros trinta anos de vida tinha decidido
não obedecer. Rebelde, transgressora, questionadora, todas essas qualidades que
indicam a essência da desobediência. Mas o tempo passou, a paciência esgotou e
a vontade de brigar diminuiu. Quanto mais se sabia livre, menos precisava
desobedecer. A lógica parece inversa, e é. Mas Maria Emília finalmente ficava
liberta da necessidade de colocar no mundo os opositores.
A situação chegava a ser engraçada, pois mandavam ela sentar,
e ela sentava. Levantar, e ela levantava. Deitar, e ela deitava. Era assim,
fazia sem questionar, sabendo que estava dizendo sim para a palavra do
outro. Certo dia, comentou com o marido
que estava com dor no ombro. Ele sugeriu que ela levantasse e girasse bem
rápido os braços. Ela fez. Ele gostou da brincadeira, pois ainda a achava
desobediente. Num tom de comando, ia dizendo que perna ficava na frente, qual
braço ficaria atrás e como deveria girá-lo. Ele ria, ela obedecia,
seriamente.
Como a dor não cessou, ela procurou um médico, que
inesperadamente resolveu examiná-la, antes mesmo de pedir uma ressonância,
prática comum com médicos de convênio. Ela deitou na maca, e ele voltou para a
sua mesa, pedindo para ela descrever a dor. Estranho tudo aquilo, ainda mais
porque ela esperava o exame. Antes mesmo de voltar a levantar do seu 'trono', ele anuncia o
exame de ressonância que ela deveria fazer e que a consulta estava encerrada.
Ela se sentiu altamente ofendida, não por ter obedecido, mas
por ter percebido que ela obedecera e ele não cumpriu a parte dele. Deitar na
maca numa consulta significa ser examinada,especialmente por ter sido o comando dele através de sua palavra, porque para responder as questões,
ela nem precisaria sair da cadeira em frente a ele. Sim, foi frustrante. Mas
uma frase se repetia em sua mente: ‘esse é o lugar da melancolia.’ Ela não sabia
de onde vinha essa afirmação, só sabia que era tão insistente que não conseguia
parar de pensar. Junto com a palavra melancolia, as lágrimas anunciavam um
choro silencioso, fundo e doído. O que era aquilo tudo. Os ombros doendo cada
vez mais, a postura mais encolhida, as lágrimas permanentemente umedecendo os
olhos.
Maria Emília fez a ressonância, obedientemente. Quando voltou
com o resultado do exame, ele indicou um antiinflamatório e fisioterapia, coisa
tão padronizada que ela nem precisaria de médico, nem exame e muito menos ter o
intervalo entre consulta e retorno, pois é atitude padrão de ortopedistas. Saiu
de lá e jogou a receita fora. Obediente sim, frustrada e sem resposta, isso não
é aceitável, ultrapassa qualquer nível de relação, pois rompe a relação.
Simone de Paula – 05/10/2016
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