sexta-feira, 29 de abril de 2016

Tinha um buraco no meio do caminho

Pois é, enquanto todo mundo cita Drummond, colocando uma pedra no seu caminho, eu tinha um buraco no meio do meu.
Mas a história é mais ou menos assim: certo dia, num tropeço, eu encontrei meu buraco. Era do tamanho exato, cabia meu pé bem entalado. Por baixo, pra não deixar dúvidas de que era um buraco, tinha aquelas pedrinhas que indicam que aquela superfície já tinha sido plana, mas por não ser tão firme, cedera diante de uma pressão violenta. O pior, quando me dei conta, o buraco nem estava ali. Pelo menos, não no chão, não naquela superfície. Ele estava em outro lugar, como um holograma, que ao invés de ter sido visto, foi sentido.
Eu juro que eu queria ser como todo mundo, achando uma pedra aqui ou ali e tentando inventar meios de atravessá-la. Mas  não era assim, comigo era um buraco.
Para quem vive numa grande cidade, buracos no asfalto não faltam. Mas nem todos nos fazem tropeçar, até porque eles ficam bem visíveis no nosso percurso. Mas com o meu buraco não tem jeito, ele não avisa aos meus olhos que está chegando, nem para eu desviar ou me preparar para o impacto.
Agora pensando, acho que inventei pedras para colocá-las no caminho, ou para tampar os buracos, ou para evitar encontrar com eles. Se eu perco tempo com as pedras, atraso meu encontro com o buraco. Um engano, sem dúvida, porque o buraco está lá, e nem se importa com os meus truques e disfarces.
Continuando a história, porque eu parei no buraco, como se fosse uma pedra, que não era, mesmo sendo preenchido por mini pedrinhas, estilhaços da pressão que tinha sofrido. Então, do tropeço, veio a queda, tão vertiginosa que nem deu tempo de tentar me equilibrar ou segurar em algum ponto fixo. A coisa toda foi ininterrupta. E lá estava eu, caída, chão em torno, buraco no meio. 
Uma coisa era verdade naquele momento: se cair, do chão não passa. E, assim, a única saída é para cima. Olho em volta, nem mãos, nem apoios, nada. Só eu e meu corpo e o buraco. Se o pé tá lá, encaixado no buraco, ele mesmo será meu impulso, se a força não vem da cabeça, pensante, aquela que tenta ultrapassar as pedras, o corpo, o pé, com a potência que lhe é própria, que te leva pela marcha na vida, esse pode ser minha solução. Numa ação rápida, ligeira, sem muita atenção na perfeição da execução, finco o pé e jogo o corpo todo pra cima. Pronto, estou em pé novamente. Mas peraí, eu tinha dois pés, cadê o outro? Que pé que eu apoiei? Não era o que estava no buraco? Cadê o buraco e cadê o outro pé? Foi aí que eu parei, desisti. Respirei fundo, olhei corajosamente para o chão e vi toda a minha vida, espalhada naquele momento: uma superfície sem vincos, dos pés, mas apenas um deles pronto para a ação e o outro mostrando que aquele era o fim daquela linha, ele não iria a lugar nenhum naquele caminho, se eu quisesse continuar, que me tornasse um Saci. Tomei a única decisão que eu podia, eu era a única do meu lado, nenhuma mão de belo cavalheiro se ofereceu para me manter num caminho de pedras inventadas e bucaros sorrateiros. Sentei e disse: chega, aqui eu não ando mais!

Simone de Paula - 29/4/2016





Conto inspirado na poesia 'tNo meio do caminho', de Carlos Drummond de Andrade e na cantiga de roda, ''Teresinha de Jesus'.

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