quinta-feira, 14 de abril de 2016

Alimento


Ouvi atentamente uma linda garota indiana me contando como se sente com relação a sua comida. Estávamos em um café perto do mar, ela desenhava e colava pequenas flores em um pequeno caderno pardo. Antes me contou que é uma editora de TV, tem medo e muitas perguntas, tem vontade e procura fé, de galho em galho.
Tammisa tem 30 anos, usa uma camisa de linho azul clara. A pele escura deixa sua composição brilhante, seus brincos grandes emitem pequenos sons para os ouvidos de quem está perto e a escuta. Ela fala depressa, é urgente. Descobre a cada dia um traço que não sabia, uma flor que vira outra flor, um papel sem nada e contido de possibilidades. Muitas, imaginamos.

O que faz aqui? Ela pergunta.
Conto que estou na Índia por que tenho dois amores, um deles a comida.
Ela ri e por um momento nos olhamos como confidentes.
Nessa hora era eu quem deveria abrir meu caderninho, pensei que receita estaria prestes a ouvir, se ela me contaria a história das masalas de sua família, do tempo da marinada para o biryani, se prefere ghee ou óleo de coco, chapati ou roti.  
Segundos me levaram para pensamentos de samosa quentinha, arroz perfumado de cardamomo, idli com chutney, dosa com cebola roxa, coentro fresco, folhas de curry, cravo, canela, gengibre.

Foi quando interrompida na minha aromática fantasia ela me diz: comer é meditar.
Não entendo.
Sim, comer é agora. Quando come, você está, você é, corpo presente. Não se pode fugir enquanto mastiga. O mundo de fora entra para o mundo de dentro, os dois lados se encontram. Quando estou distraída, ela continua, faço um prato de arroz e vou mastigando uma pimenta verde, ela arde todo o meu corpo, minha boca parece chama, o sangue acelera. Uma mordida muda todo seu estado, convoca o que está apagado, revive. Eu cozinho para me saber parte do mundo que vivo, para me conectar ao outro, para amar o outro. Para não esquecer.

Essa sim é uma cozinha de sensações, penso.

Do que mesmo estou me alimentando?

Amor, é a hora do jantar.

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