Em um dia muito quente no
meio do rio, em um bote de palha ouvi lá no fundo, atrás da árvore, de todas,
uma forte batucada. Os músicos não podiam ser vistos, e nem precisava, a música
ecoava como que em uma floresta de mito, mas era a realidade. O mantra anunciava
a chegada de um novo conhecimento.
Nesse pequeno trajeto, com os
sons todos ao redor, a calma da água esverdeada, a língua desconhecida, o choro
do bebê, o pequeno macaco, seus parentes todos, o pássaro preto, depois de
qualquer coisa que tivesse visto até ali, eu sabia: obrigada.
Este é o estado de Kerala,
sul da Índia, lugar conhecido pela gentileza de seus moradores e generosos coqueiros.
Os rios costuram as cidades, as vilas, ruas, as árvores desenham grandes
perspectivas, infinitas, as praias tem a água quente, como nosso corpo suado
diante dos constantes quarenta e um graus, o leite é só o que vaca produz, e ela
é parte da família e assim como os gatos, cachorros e formigas, conhecemos seus
avós, suas histórias e seus pequenos gostos particulares.
Cada um tem um nome e cada
nome um significado.
A gata branca, por exemplo,
se chama Sunderiane, a grande beleza.
Por isso o chai da manhã, do
meio da manhã, da tarde e de qualquer lugar que visite terá sempre o gosto e
memória de gerações habitadas em comunidade.
Anita nos recebeu na
madrugada, serviu a mesa calmamente, usava um vestido longo, largo e colorido
parecido com uma camisola de verão, 38 anos, cabelos enormes, mas sempre presos
mostrando seus brincos e colar dourados, contando assim que era casada. O
sorriso gentil era contido, a voz mansa parecia cansada, o olhar com
doçura me acolheu imediatamente e tive a sensação de que ali estava em um tipo
de casa que também era minha, mesmo que eu nunca soubesse. Me entreguei aos
seus encantos, tomei a água do poço, fiz meu pedido e então nos sentamos e
lavamos as mãos em respeito a comida que iríamos tocar .
Um grão de bico pequeno, bem
escuro, servido com cebola roxa, folhas de curry, cúrcuma, sementes de
mostarda, óleo de coco, pimenta verde, foi o primeiro prato. O sabor é tão rico
que só pelo fato de comer algo assim parece que a gente enriquece também.
Depois veio a jaca desfiada,
o peixe frito na hora, o arroz vermelho preparado no fogão a lenha e o curry de
legumes que plantavam logo ali.
Passamos oito dias juntas, me
hospedou na casa de seus pais, depois sogros, me deu no colo seu bebê de três
meses, me contou cada receita, me deixou fazer parte da sua cozinha, do seu
afeto e de sua angústia.
O preparo do café da manhã
era o mais importante do dia, cerca de duas horas, ali, quase nada vem da loja,
você só precisa de poucos passos para alcançar os ingredientes.
Chapati, porotha, puthu, dal,
abóbora com côco queimado, iddiapan, mingau de aveia com cardamomo, idlli,
sambar, mandioca e peixe.
Uma esposa passa a ser mais
respeitada depois da aprovação de seu “Fish Curry”. Essa é uma das tantas
histórias dessas mulheres que trabalham incansavelmente, cozinham todos os
dias, todas as refeições, cortam, picam, moem, sovam, colhem, lavam. Esperam
que os maridos as digam que melhor comida não há, sua missão então estará
cumprida, depois do café, almoço, chá da tarde e jantar, ela já pode dormir.
Suas roupas são sempre iguais, apenas mudam a estampa. O dourado exige respeito, o sari impecavelmente colocado é a prova de que
mesmo diante de horas na fumaça ali está uma dama e disso ela nunca
se esquecerá.
Uma avó se orgulha da vida
que teve, do coco que colhe, seca e rala todos os dias, da sua panela de pedra
que acumula aromas a cada estação, que ela conhece tão bem. A noiva radiante
pelo seu casamento tão próximo tem 26 anos, foi arranjo entre famílias, que ela
de tão feliz diz que parece até casamento de amor e não de dote, tão linda,
conta que não tem vontade de fazer outra coisa, ela quer que suas receitas
tragam boa saúde para o futuro marido e filho e assim mais um ciclo entre
invernos e primaveras vai se cumprir.
Na hora de ir embora, fomos
todas juntas ao aeroporto. Nunca me esquecerei do cheiro de óleo nos cabelos e curry nas mãos. Nos soubemos amor assim como o bezerro recém nascido sabe da lambida de sua
mãe.
Me pediram para ficar, balançamos a cabeça uma última vez
e
segurando o choro nos abraçamos suadas não de calor, mas de uma emoção rara que
é perceber a si mesmo.
Agora já sabemos, estaremos sempre juntas, em qualquer lugar, em toda inspiração e suas fontes.
Que lindo.
ResponderExcluirGi, obrigada, linda.
ExcluirQue lindo.
ResponderExcluirShow!!!!!
ResponderExcluirObrigada Pati!
Excluiramor que se reconhece
ResponderExcluirEm todo (o) mundo
Excluir<3 <3
ResponderExcluirMuitos corações, amiga, que saudade.
ExcluirObrigada Fe, derreti aqui <3
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