sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

S.O.S.

Apesar do clima sombrio que estávamos vivendo naqueles tempos, resolvemos embarcar naquela experiência. Era como uma Arca de Noé de amigos, conhecidos de trabalho, que de tanto contato, viraram íntimos, quase família. 

O dirigível era aberto, limpo, bem cuidado. Carlão, o responsável, era assumidamente um bom controlador, mas com a simpatia e doçura de alguém que quer agradar. Sabia de tudo o que acontecia com todos. Éramos amigos, eu confiava nele naquela função. 

Mesmo estando com meus velhos conhecidos, eu me sentia parte e ao mesmo tempo estranha ao grupo. Vai ver era por isso minha sintonia com o Carlão, tínhamos um entendimento telepático das situações.

Dirigível no ar, todo mundo excitado com o clima de começo de viagem, destino determinado, mas ainda distante, tudo funcionando bem.

Drinks, risadas, paisagem contendo céu, nuvens, montanhas, tudo que se vê de lá de cima. Alívio por estar longe do caos, mas apreensão, pois qualquer um, em qualquer lugar poderia ser alvo. 

Papeei um pouco aqui e ali, mas estava ansiosa, queria chegar, ou mesmo ter a garantia de estar salva desse presente indefinido que se vive no transfer -  o veículo que te transporta e não é nem aqui e nem lá, mas ainda assim é um lugar é um tempo suspensos.

Bem, voltando à situação, apesar do meu estado psicológico... Todo mundo estava curtindo, aproveitando o trajeto. Mas comecei sentir algo estranho, um clima de dissolução. Era como se o dirigível começasse a se desmanchar, perder massa, consistência, acho que é assim que a gente se sente em queda livre. O estranho é que ele não estava apenas perdendo altitude, eram as bordas que se esgarçavam e iam fazendo tudo aquilo se desmanchar. Olhei para o Carlão que parecia perceber o mesmo que eu. Ele já estava com telefone na orelha, ligando sem parar para as pessoas. Com cara de tranquilidade, mas no fundo do olhar o terror estampado.

Cheguei mais perto e quando ia perguntar se ele sentia o mesmo que eu, ele me atravessou: "dona Ema é sua mãe?" E eu respondi que sim e ele completou:" já avisei que talvez vc morra." Eu pense, "caramba, tá bom, pode ser que o piloto esteja nos levando para o buraco, mas minha mãe tem 82 anos e morreria de ouvir essa notícia." Pensando bem, primeiro, eu sou bem convencida, imaginando que por me perder, minha mãe morreria de tristeza pela minha falta. Mas eu também via a cena, a imaginava do outro lado do telefone dele, reagindo a essa notícia, chorando. Apesar disso, eu nem disse nada, pq nessa hora nossas suspeitas se confirmaram, aquele piloto era um alguém a serviço de uma força de comando que matava sem mais nem porquê. Aliás, eliminava. 

O dirigível foi caindo, se dirigindo velozmente em direção ao chão. Os passageiros então se deram conta do que acontecia. Carlão me olhou e disse: "preciso avisar todos os parentes de quem está aqui, para que saibam que talvez todo mundo morra agora." Quando ele terminou essa frase, parece que o piloto cansou da brincadeira sádica, endireitou o veículo, baixou a velocidade e voltou a voar com estabilidade e em direção ao nosso destino.

Que tempos, meus amigos, que tempos...

Simone de Paula 08/01/2021



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