sexta-feira, 28 de agosto de 2020

A palavra por vir

Se Blanchot escreveu o livro por vir, esses dias descobri a palavra por vir em mim.

Não tem forma, não tem letra, não tem nem impulso. É uma coisa que trava, sufoca, faz sofrer.

A boca cheia, o peito oprimido, o estômago estufado, o intestino entupido, o ânus rasgado. 

De fio a pavio no corpo os restos daquilo que está lá, mas sem ter como falar.

Amélie Nothomb conta da metafísica dos tubos, começa aqui e termina ali, passando liso sem nem marcar. 

É um tubo, um oco, um buraco, ou é a massa amorfa que precisa se moldar para atravessar?

Falta dente, falta músculo, falta pressão, falta tesão. 

A frase volta: eu queria encher tua boca de....

Porra! 

Mas aí é que está - A boca cheia, o peito oprimido, o estômago estufado, o intestino entupido, o ânus rasgado.

A garganta! Aspirar, engolir, regurgitar, vomitar. Sair, parir, expelir, criar.

A palavra por vir.

Simone de Paula - 28/08/2020




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