sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Comunicação improvável

Certa vez, numa dinâmica de terapia de grupo, fizemos o exercício da comunicação improvável. Um era surdo, o outro mudo e o terceiro cego. Ainda bem que não tinha o manco, pois cada um deveria orientar o outro para que chegássemos juntos, a algum lugar.
Apesar de estarmos num mesmo grupo, faltava a intimidade que permite se comunicar por outras vias, deixando de lado a palavra. 
Nem lembro bem que papel eu fazia, mas eu era uma das três faces de um dos pontos impedidos do nosso corpo, ou cega, ou surda, ou muda. 
No início fica aquela situação com o desconforto de estar evidenciando algo que deveria estar esquecido, o mal-estar de mancar em um ponto cardeal, ou melhor, sensorial. Risadinhas, o corpo recolhido, mostrando as inibições como se alguma peça de roupa tivesse sido retirada. 
Depois, a dificuldade em si: quem deveria decidir para onde ir, como guiar, se ali faltavam os conectores básicos, elementos comuns e compartilháveis, como olhar, ouvir e falar?
Olhos? tínhamos. Boca? também. Ouvidos? evidentemente. Mas eles realmente estavam apartados de nós. Era a fase da irritação, do desencontro, da vontade de puxar daqui e empurrar dali. Como é difícil não conseguir comandar o outro. A vontade própria aparece descarada, afinal, o que devo fazer, não sei, e ainda assim, faço.
Fase três, tempo se esgotando, indefinição em saber como chegar ao destino. Qual é o destino? E o destino, quem definiu qual seria? 
Dois tinham o olhar. Se olharam, se acalmaram, tocaram o terceiro usando do tato como voz para que cessasse seu movimento. Um de cada lado segurou no seu braço, enlaçando cotovelos e fechando os olhos. Respiraram e então, movimentaram os três corpos juntos, saíram do lugar, permitindo que todos finalmente estivessem nas mesmas condições, podendo chegar em um lugar possível, apenas isso.
Dez passos depois, encontraram uma cadeira no meio do caminho. Tatearam. Ao lado dela haviam mais duas. Se soltaram, sentaram. Tinham chegado aos seus lugares.

Simone de Paula - 02/08/2019

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