sexta-feira, 23 de março de 2018

Festa da vida

Chegou em casa coberta de purpurina. Sabia que levaria a vida toda para limpar aqueles fragmentos do corpo. 
Era toda brilho: a roupa de lantejoulas, o glitter na maquiagem borrada pelo suor, e agora ainda purpurina com água de rosas borrifada a noite toda. Uma coisa era certa, suor e lágrimas misturados com água de rosas era inebriante. 
A noite tinha sido uma simulação do mundo onírico. O tempo de sonhar acordado. Nas paredes do salão, frases em neon vermelho tentavam transformar o lugar no espaço liberado para os prazeres. “Realize o seu desejo”, “ experimente o que você sonha”, “aqui não há privação”, esse tipo de coisa. Drinks coloridos, roupas extravagantes, risadas exageradas. 
Não dava pra dizer que não tinha sido bom, aliás, a festa foi ótima. Mas tinha uma coisinha que tinha permanecido desencaixada. Durante a diversão, não, mas no caminho de casa. Quanto mais perto chegava do seu lugar, mais aumentava o mal-estar.
Não notou que um pensamento tentava invadir sua consciência. Não percebia também que o evitava antes mesmo da primeira palavra se formar. Se começasse, seria uma longa história margeada pelo fio melancólico do não saber sobre si mesma. Criou uma resposta para essa sensação, excesso de diversão. Não era uma má desculpa, mas não era totalmente verdadeira.
Banho e cama. E nessa hora, mais uma vez caiu no mundo onírico. Os prazeres vividos durante o sono não se assemelharam aos da festa. A angústia tomou o lugar da diversão. A mistura de flores caindo do céu, a sufocava. A boca parecia ser aberta por mãos gigantes e o medo de engolir pequenos diamantes era aflitivo. O corpo parecia entregue a todos que estavam ali, como se ela flutuasse, mas sem o conforto seguro que isso poderia significar. 
Ela não podia dormir, nem acordar. O corpo pesado, morto na cama. A mente desviando desse aprisionamento, tentando inventar formas de relaxar seu desespero. Ela nada sabia disso, mas estava misturada com isso. 
O dia já tinha avançado quando ela finalmente acordou com a maior ressaca. Não queria levantar. Olhava seu corpo dormente, entorpecido. Caçava os caquinhos de purpurina espalhados pela pele, pelos, cabelos, na esperança de um dia recolher todos os restos da passagem dela pela “festa da vida”. 

Simone de Paula - 23/3/2018

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