sexta-feira, 28 de julho de 2017

Perspectivas

Quando criança, Isabela ouvia que o céu era o limite. Nascida em uma família de pessoas altas, acostumou-se a olhar para cima. A dimensão do que fica suspenso, elevado, é sempre inteira, completa. O avô lhe mostrava o céu, as nuvens e as estrelas. Nas noites de lua visível, observavam o astro e suas fases distintas. Na lua crescente se pode ver o contorno da lua toda. Com o passar dos anos, o contato com a natureza se tornou comum, banal, a exigência passou a ser a dos livros. A mãe dessa vez é quem encabeçava a jornada rumo ao céu. Não o céu de estrelas, mas o das ideias, dos livros, da sabedoria. Na casa da tia tinha uma estante grande, repleta de livros. Na adolescência, nos almoços de domingo, era por ali que Isabela ficava, sempre a pensar e imaginar o universo criado pelo autor. Aquela cabeça divagava muito.
Isabela cresceu e se tornou uma moça bastante inteligente e culta. Alta, seguia o porte familiar. Mas ela carregava dois incômodos, que não revelava a ninguém: o nariz exageradamente empinado e a nuca encolhida. Não tinha o pescoço elegante que via em algumas pessoas quando observava amigos ou mesmo transeuntes. Era comum levar a mão à nuca para massagear a região que lhe causava dor física e emocional. Não sabia que dor emocional poderia ser essa, mas sentia dor no peito quando tocava  sua nuca. 
Um dia seu amigo Jorge, parceiro de conversas desde a infância, fez inocentemente uma massagem nos seus ombros, por conta de um dia exaustivo de caminhada rumo à Pedra da Baleia. Eles saiam para fazer trilhas, escaladas, subir montanhas para ver lá de cima a imensidão do céu e da terra. Tudo gigante, limitado apenas pelo que os olhos podem ver. Ao toque das mãos dele, ela pulou de susto e ele também. Ela porque aquelas mãos lhe deram um choque estranho, uma espécie de conexão. E ele porque sentiu o corpo mais travado que já tinha tocado na vida. Se olharam e a conversa foi inevitável. Sim, se gostavam, mas esse não era o principal tema daquela conversa, mas a tensão que Isabela carregava em si. Tinham intimidade e isso permitiu que Jorge oferecesse a ela algumas sessões de massagem informal. Foram para casa dele, ela deitou de bruços e assim começou. Isabela mudou sua perspectiva de mundo. Agora os olhos iam para o chão. Observava todos os fragmentos dos pisos. Tacos de madeira recortados formavam bonitos desenhos na sala da casa de Jorge. Caquinhos de lajotas coloridos eram o piso do quintal da casa da avó dele. Notou seu banheiro, com o piso azulejjado, e rejunte colorido que nunca percebera antes. Um mundo novo apareceu diante dos seus olhos. abaixou o nariz e esticou a nuca. Esse mundo era de pedaços. Pedaços que colados, unidos, se transformam em pequenos todos. No chão também viu a formiga como via uma estrela na infância, mas a formiga ela podia tocar. Ali, diante daquele espaço, dos limites de cômodos e áreas, a superfície amparava Isabela muito mais do que a oprimia. As dimensões eram mais humanas. As massagens e o sentido do chão deram a Isabela a compreensão de que olhar para cima demais a restringia e deformava. Seu pescoço alongado permitiu mais segurança ao caminhar. Os olhos focaram em coisas possíveis de ser experimentadas. No mundo real, ela podia pegar aquilo que estava ali, presente.  

Simone de Paula - 28/07/2017

Nenhum comentário:

Postar um comentário