sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Festa estranha com gente esquisita

Aquele dia foi muito louco.

Cheguei em casa de viagem. Tinha passado uns dias fora por causa do trabalho. Voltei exausta e frustrada como de costume: o trabalho não preenchia mais meus apetites profissionais, mas me pagava o suficiente para me manter.

A casa estava vazia, luzes desligadas, mas não estava escura. Uma espécie de luz indireta mantinha o ambiente em penumbra. Larguei a mala no chão da sala e, ainda com a chave da porta na mão, segui em direção à cozinha. A luz vinha de lá, a lâmpada do exaustor estava ligada em cima do fogão. Era aquele clima de madrugada: silêncio, luz da lua iluminando os espaços. Poético ou assustador, depende do que virá depois. 

Bem, o depois foi bem rápido, olhei e me surpreendi, tinha um homem sentado bem ali, na mesa da cozinha. Do ponto de vista lógico, ele estava sentado na cadeira, apoiando os cotovelos na mesa, mas foi um modo de falar. Era um desconhecido para mim, mas familiarmente acomodado na cozinha da minha casa. Cumprimentei e ele levantou sorrindo para retribuir o cumprimento. Sorri meio sem graça, porque ali era a minha casa e o desconhecido se portava como anfitrião. Pra quebrar o gelo perguntei: "cadê todo mundo?" E ele respondeu: " sua mãe saiu, seu sobrinho está por aí, e sua irmã também já volta. Fiquei estarrecida, ele sabia quem EU era. 

Ele, aproveitando que estava em pé, se virou, abriu a geladeira, pegou uma cerveja e me ofereceu: "quer?" E, saiu para o quintal, tranquilo, quase dançando. Recusei a cerveja e percebi que ali, no meu quintal, tinha mais gente, na verdade, tinha uma festa. WTF???!!!??? 

Fui passeando por entre as pessoas - todas desconhecidas. Elas conversavam, dançavam, mas o som de tudo era muito baixo, suave, quase um silêncio. Chamei o cara da cozinha, queria saber o que estava acontecendo ali. Ele sorriu quando viu a minha cara e disse: "vem curtir a festa." E nessa hora, bem nessa hora, meu sobrinho passa correndo, rindo. Ele estava brincando como sempre faz no quintal, mas com um adicional, ele estava pelado. Não, não temos piscina em casa. Não, ele não é o tipo de criança que tira a roupa por alguma questão íntima que nem psicólogos conseguem entender. Era estranho, ponto.

O bizarro se torna quase normal depois que passa um tempo, é como acostumar os olhos com o escuro ou os ouvidos com o silêncio, a ausência de estímulo vai revelando o que fica oculto sob o impacto voraz, ou da luz, ou do som.

Resolvi conversar com o "anfitrião", afinal, entrei na festa de bicão, na minha própria casa. Ele era muito alto, loiro, mantinha um sorriso permanente nos lábios e olhava diretamente para mim. Estava em outra sintonia, talvez maconha, talvez cerveja, talvez a leseira vinda de sei lá onde naquela personalidade. 

O papo foi rolando e o cara resolveu que a gente estava num flerte. Peraí, ele resolveu ou eu flertei? Já nem lembro mais o que veio primeiro, porque levei mais um susto. Foi eu baixar os olhos para colocar a minha cerveja na boca, e o cara ficou pelado.Antes de falar qualquer coisa, minha cabeça rapidamente se defendeu da nudez frontal do loirão em pé na minha frente com um raciocínio bem montado: "é moda andar pelado por aí? primeiro meu sobrinho, agora esse cara?"

Desviei do assédio e entrei em casa, ele veio atrás de mim, tranquilo, pegou mais uma cerveja e sentou na mesma cadeira da cozinha. E entabulou uma conversa, sobre sei lá o quê. E, eis que meu sobrinho passa de novo por mim, correndo peladão. Eu o chamo, ele me olha e ri, estava curtindo a beça correr pelado. Deve ser divertido mesmo, gostoso ter o vento no corpo, tudo livre, leve e solto. E, acho que era essa pegada hippie a da festa, porque de repente, um casal entra na cozinha, sorrindo, me dá um oi, abre a geladeira, pega mais uma cerveja e sai. Sim, estavam pelados. Fui até a porta e, no quintal, as pessoas sem roupa e as roupas penduradas no varal.

E justamente quando eu pensava se deveria entrar no clima, minha mãe e minha irmã chegaram, juntas, me olharam com surpresa e perguntaram: "você já chegou? " Eu respondi que sim e quando fui perguntar que raios estava acontecendo ali, elas largaram as bolsas e tiraram as roupas. E, pra completar, começaram a guardar compras de supermercado que tinham trazido da rua. 

Larguei a cerveja na ponta da mesa, olhei aquilo tudo, aquele non sense, virei sem dizer nada. Passei pela sala, peguei minha mala, subi para o quarto. Entrei no banheiro para tomar um banho antes de dormir e quando fui tirar minha roupa, o que é habitual e automático, tinha tomado um outro sentido. Eu percebia as peças, que pareciam ser levem, quase desmanchavam. E meu corpo, parecia ter vontade de saltar de mim, aparecer mais, se escancarar no mundo ao invés de se encolher dentro das roupas. Tomei meu banho, lavei meu corpo espalhado no mundo. Quando saí, uma vontade imensa de curtir uma festa baixou em mim. Fui direto para o quintal, porque ali o que me esperava agora era justamente aquela festa que eu recusei quando cheguei da rua.

Simone de Paula - 05/02/2021




Nenhum comentário:

Postar um comentário