sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Viagem insólita

Ali o mundo parecia estar invertido. Eu boiava, totalmente submersa, e não sentia nenhum incômodo em relação à respiração. Comecei vendo aquele ambiente como um céu azul, mas ao mesmo tempo era ar e água, céu e mar. Suave, aparentemente estático, envolvente. O azul foi se misturando com o verde, as cores frias iam aparecendo pelas bordas. E então o amarelo chegou e com ele o branco. Cores mescladas, eu deitada, flutuando sem nenhuma preocupação. Meus olhos permaneciam fechados, mas eu não dormia, apenas estava. Acima do meu corpo, bem rente a ele, uma superfície desenhada em linha branca. Um fio de prata que dividia as cores e a ausência de cor, o preto espacial. Um tecido enorme perfurado por pontinhos brancos por toda parte, estrelinhas brilhando naquele céu noturno. Despertei. Meu corpo se metamorfoseou numa espécie de espectro. Toda branca, como um vestido de voil longo. Os braços pareciam asas, as pernas pareciam rabo de peixe. Eu subia e descia naquele mar colorido. Era uma espécie de pássaro explorando aquele lugar inteiro. Rodopiava, mergulhava, torcia e voltava. Expandi meu horizonte e perfurei o breu espacial, desapareci e voltei. O desejo incessante de movimento, dança, voo, liberdade. Mais uma vez uma decisão se deu, mergulhei lá de cima no submundo da terra, fui ao mais fundo que pude, explorei outra escuridão, essa não espacial, mas gutural. Não havia superfície que pudesse me segurar, me prender, me arranhar. A velocidade me fazia deslizar, sem sentir nada, protegida dos machucados da realidade da matéria. Das profundezas subi, retornando ao estado passivo e pacífico do lugar em que estou agora, escrevendo essa viagem insólita.

Simone de Paula - 18/09/2020

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