sexta-feira, 20 de março de 2020

Nesse tempo

Os últimos dias insistem em me fazer lembrar. E não é por acaso. O clima de ameaça mundial provoca não a vontade de me isolar, mas o apelo a me juntar aos meus. 
Já imaginei que seria ótimo estar na casa em que cresci, com minha mãe e irmãos. Lá também estariam amigos, primos e tios, aqueles que participaram desses momentos de reunião no passado e seguem vivos. Acrescentaria meu amor, até porque ele iria adorar fazer parte disso. Mas ele está aqui,  do meu lado, agora.
Infelizmente não conseguimos nos reunir. Cada um está na sua casa, fazendo algumas atividades possíveis, e tentando manter contado, virtualizado, pois as exigências do presente nos fizeram ficar distantes.
Lá fora parece que o mundo vai desabar. E, acreditem, não vai desabar, já está desabando faz tempo, mas agora a gente ficou na beira do abismo. Aqui dentro parece festa. Cozinhar, rir, ouvir música, brindar o futuro, esse que finalmente se desenha como futuro, porque não sabemos como será. Mas também tem silêncio, sono e muita brisa fresca.
Curiosamente, os compromissos de trabalho permaneceram. Dou sorte de poder continuar assim. Mas, a adaptação me fez rever aulas, textos, repensar como transmitir. O tema da memória se impôs aqui também. Arquivos que uso há anos, me forçam a ser revisados. Os links, que outrora serviram de indicativos da pesquisa, se tornaram obsoletos. Ou melhor, não se encontram mais na página em que foram pesquisados, em que estavam. Parece incrível, mas a grande biblioteca virtual desmancha as informações, dissolve o que foram as pegadas do nosso percurso. 
Temos falado muito de memória e registro, o que não pode ser esquecido. Com Freud, fazemos isso há muito tempo, porque acreditamos que tudo está gravado em algum lugar. Mas, no campo virtual, nem tudo fica gravado, perdemos aquilo que não sabemos mais o que era e substituímos por algo que imaginamos se igualar. Sem a menor pista do que foi criado anteriormente.
Me fica a pergunta, que arqueologia será possível no grande mundo da internet? Isso se alguém pagar por isso.

Simone de Paula - 20/03/2020

A persistência da memória – Salvador Dali

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