sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Undreground shots

Sentados lado a lado no metrô, o casal em torno dos sessenta anos tentava disfarçar o desejo escandaloso que passava nas suas mentes. Durante uns bons minutos, ele, elegantemente vestido, esfregava as mãos na alça da mala, remexia os olhos, procurando um assunto para abordá-la. Ela correta, mostrava, deste o vestuário até a forma de sentar, que tinha sido muito bem educada. Uma mulher bonita, que os anos tiraram o viço. Ele decide dar o primeiro lance, perguntando uma amenidade qualquer. Ela responde como se estivesse sendo avaliada numa prova oral. Ele não se constrange, afinal, conseguiu uma resposta, mesmo que monossilábica. Continua buscando um novo tópico. Se volta para ela e diante da nova pergunta, ela segue o mesmo protocolo. Ela evita ao máximo olhar para ele, nos olhos dele. Ele, por sua vez, a olha e desvia, não quer ficar hipnotizado diante do que o tirou do marasmo de tanto tempo sem se interessar pelas mulheres. Ele percebeu que tinha sido aceito e resolveu cometer uma ousadia. Chegou o rosto mais perto do dela e sussurrou nos seus ouvidos uma provocação mais ousada: "vamos tomar um drink?" Ela, surpresa, olhou para ele. Os olhos brilharam, os lábios se abriam, ela sorriu. Mas logo voltou o rosto para frente e respondeu, agora mais baixo do que antes: "pode ser". Alívio, ela topou. Mas ainda precisariam ficar por ali cerca de quinze minutos antes da estação correta para a descida, onde poderiam encontrar um bar bacana que combinasse com eles. Ele não queria começar mal. Seguiu perguntando sobre ela discretamente e entrecortando o tema comentando sobre a cidade em que viviam e os problemas característicos de uma grande metrópole. Seguiram. Me retirei antes que pudesse ver o jogo daqueles corpos em movimento, sem a garantia que as poltronas do vagão davam a eles. O primeiro lance tinha encantado a dupla, mas diante do movimento, será que isso se sustentaria?

O squeeze passava de mão em mão. As três meninas riam e incitavam uma a outra a beber um pouco mais. Definitivamente estavam a caminho da balada. As roupas, maquiagens, excitação jovial, tudo era o 'esquenta' delas. Mais do que o que se passava ali, no papo delas, o que me intriga é saber se o mesmo referencial de beleza que eu tenho, outros povos também têm. Dessas três graças, qual para mim é a mais bela? Assim como Páris, me coloquei no campo do difícil julgamento da beleza. Para mim, uma delas era mais bonita que as outras duas. Mas para quem está do meu lado, que compartilha da mesma cultura que eu, será que isso se confirma? Sim, mesmo tendo gosto diferente, meu companheiro também inclinava seu voto para a mesma moça que eu. Olhei em volta, tentei perceber qual delas era a mais olhada, eu realmente queria saber se nossos gostos são globalizados. Eu sei que cada cultura tem seu padrão de beleza, mas ali era algo um pouco mais sutil, que envolvia saber se os índices de avaliação são os mesmos, mais do que o gosto em si. Tomada pela mesma dúvida do belo rapaz do conto mitológico, eu não conseguia responder a mim essa questão. Saber quem é a mais bela, não era importante, o que importava ali é saber com que bases se julga. Elas seguiram, rindo, bebendo e animadas para a festa. Eu saí, deixando para trás a resposta que naquela situação eu não pude saber.

O futuro estava ali e era lindo. A filha menor conversava com o pai, contando o que tinha aprendido na escola. Era muito graciosa e falava com animação. O pai, olhava, perguntava, parecia não ceder aos ardis de sedução de uma criança, falava de forma séria. Ao lado, mãe e filha compartilhavam a leitura, elegantemente sentadas, tranquilamente concentradas. Elas não se perturbavam com o externo, mergulhadas naquele momento único. Era uma família, estavam unidos e reunidos, pareciam não precisar, naquele momento, de mais ninguém. Carregavam a esperança que precisamos diante dos acontecimentos do mundo. A aposta deles é de que isso tudo ainda continua e bem. O tempo é cruel, parece sequestrar a esperança. Mas o desejo é transgressor, ignora a realidade e realiza a continuidade. O peso e a dor dos nossos tempos difíceis, ali não entravam. Era preciso manter uma fina película de separação do mundo para que aquele projeto de imortalidade seguisse. Desci, sem que eles tivessem dado conta da minha presença.

Simone de Paula - 14/12/2018


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