quinta-feira, 18 de maio de 2017

Contagem progressiva

Escolhi.
Virei a ampulheta e a corrida do tempo começou.
No primeiro dia, a certeza antecipada fez palpitar o coração na mesma velocidade dos grãos de areia que escorriam pelo fino gargalo daquele instrumento angustiante. A contagem do tempo, mais do que tranquilizar, fez parecer necessário o que eu não queria mais e o afastamento suscitava meu desmontar. 
Me segurei.
No segundo dia, uma paz invadiu minha alma. Eu esperava mesmo por isso. Era assim. Seria assim. Um fim nunca acaba no dia do adeus. Um jorro de confiança me mantinha na linha do tempo.
Sorri.
No terceiro dia olhei o tempo longo, infinito. Pensei na contagem, no ábaco. Um, dois, três... Os contáveis tentando dar conta de algo impreciso, indefinido, indeterminado. No horizonte tinha o zero, o vazio, escuro. Muitos sucumbem. 
Resisti.
No quarto dia a distração e a nova rotina assumiram um papel significante, deixando passado e futuro de lado. A alma deu ao pensamento o seu lugar. Era assim, seria assim. Consequências das escolhas parecem melhores do que incertezas do desejo.
Compreendi.
No quinto dia, a surpresa. À minha revelia um passado com cara de futuro interdita minha contagem, atravessa meu tempo, demarca um dia no meu calendário. Não me perco, mas me confundo. Invoco à Ariadne que me relembre do fio condutor, do caminho que estava sendo percorrido. Do labirinto eu sairia depois de libertar o monstro do cruel destino de sofrimento a ele imposto pelos deuses caprichosos. 
Confiei.
No sexto dia, a antecipação da rotina reflete a garantia da conquista. Quase uma semana, logo um mês. Eu tentava burlar a regra do tempo para me impor à ele, como se eu tivesse uma força maior do que as minhas lembranças e o meu desejo, pequeno e mesquinho. Era apenas o sexto dia, nada além disso.
Continuei.
Sétimo dia. Parece contagem dos mandamentos. No relógio, o sétimo minuto nem é tão importante. Os números inscritos de cinco em cinco nos fazem esquecer o que está lá, mas não se destaca. Nos habituamosRepetimos as dúzias e meias dúzias das compras domésticas. A idade vem nas marcas do corpo. No tempo do mundo, décadas, séculos, milênios. 
Perdi a conta contando sobre as contagens do tempo. 
Eu nem sabia mais quanto tempo fazia e o passado volta mais uma vez . Insistente, desdenha da minha escolha, provoca minha vaidade e meu vício em bater na mesma tecla, tomar a mesma melodia, não pelo ensaio ou para aprimorar a música, mas para continuar sentindo a ponta do dedo no piado. 
Não zerei.
Pensei que tinha menos tempo para trás do que para frente. Como no mar, surfistas e marinheiros sabem que é preciso passar a arrebentação para navegar. Sem transpor essa marca de limite, ficamos no ir e vir da maré, entregues ao balanço das ondas, sem chance de seguir em frente, no ilusório movimento, mas restritos à borda de areia de um litoral conhecido.
Remei.
Não precisei começar do dia Um novamente, ele já estava marcado na minha jornada, eu seguia dali, de onde eu tinha interrompido, aberto uma fenda para respirar, avaliar, decidir. Uma escolha tinha me levado até ali.
Segui.

Simone de Paula  17/05/17

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