Pensa só: aquele momento em que os olhos se miram, as bocas se aproximam e o beijo acontece.
No filme, tem trilha, antecipando o que vai ser o destino daquele instante mágico: amor, perigo, comédia, et, etc.
Na vida real, seja lá o que isso signifique em pleno século XXI, tem trilha sonora também, mesmo no silêncio.
O som toca dentro de nós, enfeitiça o momento, provoca o microacontecimento inesquecível.
O primeiro, o segundo, o décimo nono, ou o último beijo. Qualquer número que seja, o beijo invoca a música originária em nós. Beijar ativa o som, invoice!
E não é que beijo com som é de olhos fechados?!?
Sou romântica, talvez. Tola, certamente. Insisto na aura musical pra embalar a intimidade maior desse encontro precioso e sem destino prévio.
No beijo de carne e saliva não tem antecipação de nada, só instante, que dura a eternidade.
Invoco as técnicas pra retardar o fim, esticando a melodia, na tentativa de capturar nos lábios o silêncio precioso do momento.
Simone de Paula - 26/11/2021
Mia Couto fez algo lindo sobre isso, em Tradutor de chuvas:
O Instante Antes do Beijo
Não quero o primeiro beijo:
basta-me
O instante antes do beijo.
Quero-me
corpo ante o abismo,
terra no rasgão do sismo.
O lábio ardendo
entre tremor e temor,
o escurecer da luz
no desaguar dos corpos:
o amor
não tem depois.
que na terra não toca:
o beijo antes de ser boca.