sexta-feira, 4 de junho de 2021

Matches

O tempo corria, mas a espera fazia tudo parecer uma eternidade. 

A ansiedade tomava conta de cada sopro de ar que entrava e saia pelas narinas de José. Por baixo da pele entorpecida pela concentração, a pilha de nervos estava tomada de tensão.

Na mesa do bar, girava o copo sem vontade de beber mais nada. Já tinha tomado o bastante, não sentia mais vontade nenhuma, apenas pensava em acabar com aquele estado de suspensão. 

Queria acender o cigarro, mas ali dentro era proibido. Soltou a mão do copo e girou o maço que tinha empilhado com a caixinha de fósforos, como se o movimento e o cheiro leve que vinha dali pudessem substituir a tragada que o manteria mais um tempo no aguardo. 

Abriu o maço e segurou um cigarro entre os dedos. Colocou nos lábios, quase gozou. Tirou da boca e ficou olhando, analisando cores e formas. O que não podia fazer era acender, o resto, podia fazer tudo. Sentiu os olhares dos garçons e das pessoas em volta. Todos diziam com os olhos que ele não deveria nem ameaçar, que era bom guardar novamente aquilo no pacotinho que repousava na mesa, abandonado. 

José resolveu fazer o contrário, tirou todos os cigarros do maço e começou a alinhá-los. Tentava montar objetos com aqueles bastonetes brancos como se fossem peças de lego. Esse jogo tomou tempo dele e o relaxou de fato. Resolveu incluir na brincadeira os fósforos. Antes de despejar todos os palitinhos na mesa, fez uns batuques na caixinha, remexeu o corpo, quase ficou feliz, quase se transportou para outro lugar.

Despejou tudo, chegou a sacudir a embalagem como se algum palito tivesse ficado esquecido lá dentro. Alinhou a caixinha com o maço, como se fossem containers no cais. Espalhou tudo, tentou formar palavras, empilhar o máximo de palitos, colocá-los de pé. Tirou recheio do cigarro para tentar embutir um fósforo ali dentro, fazendo quase uma bombinha. Perguntas iam surgindo na cabeça dele sobre o que aconteceria, se isso ou aquilo. Com aquele material todo, ele ficou muito tempo ali. Se concentrou de verdade e o corpo relaxou de fato.

De repente, parece que voltou o José da espera novamente. Tensão subiu. Pilha de nervos ao lado das pilhas de fósforos e da fila de cigarros. Tentando recuperar a calma, perguntou ao garçom se ele tinha mais uma caixinha de fósforos para ele continuar sua arte. Recebendo um sim como resposta, se animou e em posse a mais ripinhas de madeira com explosivo na ponta, montou uma estrutura de fogueira. Já era junho e ele lembrou das festas animadas da infância, adorava ver o fogo queimando, olhar balão subindo, soltar rojão. Ele era fogo!

Embalado pelas memórias, reconstituiu o cenário do passado. Tomado pelo prazer em relembrar o que sentia ao ver o fogo, ter nos olhos as labaredas incandescentes, nos ouvidos o crispar da madeira, hipnotizado por todo aquele desejo de ser transportado para aquele lugar mágico da infância, riscou um fósforo e acendeu sua mini fogueira em cima da mesa. Não se deu conta que ali tinha papel e tecido, além de bebida alcoólica, que ele tinha derrubado e encharcado a mesa. Sim, virou um fogaréu. 

Os outros fregueses do bar saíram correndo, o garçom veio com com água para apagar, gritaria e confusão. E José ria sem parar. Tinha causado um frenesi. Pagou a conta, se desculpou e saiu. Estava tão tranquilo e realizado que por alguns momentos esqueceu a pressão que tinha sentido pelas últimas horas que esteve sentado na mesa do bar. 

O diagnóstico de uma doença grave, sem saber como o tratamento seria, ou mesmo se morreria repentinamente nas próximas semanas, deram lugar ao menino travesso que fez arte, e como castigo, foi expulso do lugar onde nem queria mesmo estar, mas estava por não ter mais para onde ir. Depois de botar fogo em tudo na sua frente, percebeu que ele mesmo não tinha mais tempo para esperar e que deveria escolher o que faria com a vida que ele ainda tinha.


Simone de Paula -04/06/2021




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