João era um cara à moda antiga. Tinha como plano de vida ter
um trabalho, família, uma casa. Era só viver como viveram os pais e os pais dos
pais. Pretendia seguir o modelo seguro de vida.
Olhava muito as mulheres, especialmente as bonitas,
vaidosas, exuberantes. Morria de vontade, mas não cederia à tentação.
Tinha uma certeza, essas mulheres eram interesseiras,
queriam um homem para ser burro de carga delas, sustentá-las nas suas
comodidades Junto com esse julgamento,
ainda vinha o rastro gelado que começava na espinha e terminava na cabeça: o
fantasma da traição. Não, ele não queria isso para ele mesmo.
Conheceu Clotilde, filha de uma parenta próxima da família.
A moça não era muito bonita para os padrões dele, mas era confiável, tinha os
valores compartilhados dos membros daquela colônia. Namorou, noivou, casou. Clotilde fez muitas
economias e o ajudou a comprar a casa em que o casal morava. Esforçada,
trabalhava duro para dar conta das tarefas domésticas e ainda cuidar bem do
marido e filhos. Ele era um homem feliz, realizado, tinha o que almejou.
Olhava para Clotilde com admiração, não por ela, mas por si
mesmo de ter escolhido tão bem. Nas épocas de vacas magras ou quando precisavam
reformar algum cômodo da casa, Clotilde fazia bolo para fora ou saía para
vender panos de prato bordados pela vizinhança, complementando a renda da
família. Estava sempre pronta para ajudar João.
Mas o destino tem seu próprio roteiro e Clotilde morreu de
repente, vítima de um enfarte fulminante. João foi pego de surpresa e parecia
abalado pela perda repentina e inesperada. Cuidou pessoalmente dos trâmites do funeral,
chorou as poucas lágrimas que tinha e não conseguia não pensar em quem iria substituí-la.
Se sentia culpado por isso, mas era inevitável, igual o rastro da traição toda
vez que via belas mulheres.
Seguiram-se os meses e João parecia querer permanecer viúvo.
Sentia falta de alguém ao seu lado, para ele falar do dia quando chegasse em casa
ou ter o jantar quente todas as noites. Os filhos vinham e iam de acordo com a
vontade deles e João não queria muito ter que continuar cuidando dos marmanjos.
As pessoas achavam que João deveria casar de novo. E, no
fundo, ele também achava. Ele não teria ninguém para sofrer quando ele
morresse? Os parentes e conhecidos de João começaram a apresentar algumas
pretendentes para ele.
No churrasco do aniversário do primeiro neto do primo
Orlando, ele foi apresentado à Clarisse, que tinha enviuvado há mais de quatro
anos. Ele a achou simpática, mas ela era um pouco gorda e ele não quis
investir. Mal sabia João que Clarisse já tinha dito a Orlando que não tinha
interesse nele. Ela era muito atenciosa
com os filhos e achou que João não se importava com os dele . Isso foi decisivo
para ela.
Depois veio o enterro do tio-avô. Lá, entre uma conversa e
outra, João foi apresentado à Heleninha, vizinha do seu Aurélio, o morto. Heleninha
era bonita, elegante, era solteira e morava com a mãe, cuidava dela. João a
convidou para tomarem um café, ali mesmo no cemitério. Ele investia pouco para não perder nada.
Foram, conversaram e João perguntou se ela estaria interessada em conhecer
alguém mais intimamente, ter uma família. Heleninha disse que sim, que ela tinha
planos de casar, mesmo mais velha. João se animou e perguntou se ele poderia ser
essa pessoa. Ela disse que não, que ela não tinha interesse nele. Esperava
alguém nos moldes dela, solteiro. Ele ficou decepcionado, meio sem graça, se
achava tão bom partido e ela o dispensou.
Resolveu que não ia mais ter esse tipo de investida entre
conhecidos, pois começou a temer pela própria reputação, não gostava de
fofocas. Os meninos do escritório falavam muito dos encontros de internet e ele
resolveu conhecer sua nova companheira por ali. O processo era o de sempre,
olhava as fotos do perfil, conversava, convidava para um café. Mas a cada café
ele ouvia novamente um desinteresse da parte delas. Uma queria só ter um
companheiro para sair, ir ao cinema, um baile de vez em quando. Outra tinha sua
vida, sua casa e não pretendia mudar isso, não casaria de novo. A outra ainda
tinha muitas amizades e só pretendia ter um amigo para conversar. Uma delas foi
clara, queria um homem para sexo, pois isso era a única coisa de que sentia falta.
Com essa ele se animou. Marcaram um novo encontro. Saíram, jantaram, foram ao motel. E lá João
percebeu que ela estava bem certa do que queria , e ele talvez não fosse capaz
de atender a essas expectativas. Se viu com um corpo mais velho, menos vigoroso
do que imaginava. João nunca foi o rei do sexo. Com a esposa, tinham isso como
uma conduta muito mais programada do que baseada nos desejos dos dois. As experiências
dele foram poucas e desde a viuvez, não tinha investido nisso. E agora, ele não
tinha isso para oferecer.
Seguiu os contatos e a cada nova mulher que conhecia,
percebia que ele tinha um pouquinho do que elas queriam, mas não o bastante
para elas ficarem. E mais, elas não pediam nada a ele, elas mesmas tinham o que
queriam. O jogo de João inverteu, as interesseiras não tinham interesse nele.
Entrou num estado depressivo, não porque realmente estava
adoentado, mas porque estava se vendo como nunca viu, um pobre coitado,
sofrendo com o desdém das mulheres. Como elas podiam ser tão cruéis? Os filhos
de João ficaram mais próximos. Vinham
com esposa e netos para lhe fazer companhia no domingo. João com aquela cara de
sofredor. Todos achavam que era finalmente ele sentindo a morte de Clotilde. Ele
realmente dizia que sentia falta dela, mas não sofria pela morte, mas porque
não tinha ninguém que o amava sem interesse. Lembrava-se frequentemente da mãe,
que preferia os irmãos a ele. Clotilde foi mais devota a ele do que a sua própria
mãe. Ela sim, era uma desinteressada, não pedia nada em troca, só queria estar
ali.
João não aguentava mais filhos e netos em casa, precisava
mudar isso, queria que uma mulher se interessasse por ele. Começou a conversar
com os amigos que estavam sempre acompanhados, especialmente os viúvos que
tinham se casado de novo. Todos diziam o mesmo: “mostre interesse nela e compre
o interesse dela”.
Ele não sabia bem como fazer, mas tentou. Convidou uma para jantar, mas escolheu um
restaurante mais barato, vai que o investimento é maior do que o lucro. Ela não
gostou, reclamou e nem falou com ele depois. Resolveu na próxima, começar com cinema,
pegar na mão. Deu certo à primeira vista, mas João foi muito afoito e logo quis
partir para a cama e ela não gostou. Ele realmente tinha azar com as mulheres.
Sorte, só Clotilde.
Investiu em mulheres mais novas, foi em pequenas excursões da
igreja, passou a frequentar o clube, tudo em busca da nova Clotilde e nada.
João não aproveitava essas experiências, apenas estava atrás de uma mulher para
o amar incondicionalmente.
O filho mais velho de João, Luis Roberto, um dia teve uma
conversa séria com o pai. Disse que ele estava mal das finanças, que os quatro
filhos davam muita despesa, que a mulher não o agüentava mais e que tinha ido
embora de casa. Ele precisava ir morar com o pai e ainda precisava do pai para
ajudar com as crianças. João, a contragosto, aceitou, especialmente quando o
filho lançou a frase matadora: “mamãe adoraria poder viver e cuidar dos netos,
infelizmente ela morreu cedo demais para isso.” Chantagem feita, mudança
realizada, João passava os dias olhando crianças brincarem e gritarem em casa.
A empregada, Dora Rosa, vinha diariamente e cuidava dele também. Ele tirava
umas casquinhas dela quando as crianças estavam na escola, mas nada mais do que
uma mão boba e um cheiro no pescoço. João achou a vida que queria, ali, ninguém
lhe pedia nada.
Simone de Paula – 25/08/2017